Rio - Se a ideia de desenvolvimento é comumente associada a algo positivo e desejável, as diferentes dimensões da crise ambiental — energética, alimentar, climática, entre outras — estão cada vez mais explicitadas e colocam em xeque o modelo e o próprio cerne do desenvolvimento.
À parte soluções simplificadoras e reducionistas, como a Economia Verde, estamos, como humanidade, desafiados a nos colocar diante de questões fundantes da vida social: como temos nos relacionado com a natureza e seus “recursos”? O que precisamos realmente produzir? Para que, para quem, quanto e onde? A que custo para o ambiente, os trabalhadores, as comunidades humanas, as gerações futuras?
Sim. Porque o avanço das tecnologias médicas de diagnóstico e tratamento não tem dado conta dos impactos sobre a saúde deste modelo de desenvolvimento, agora centrado na produção de commodities como o ferro, aço, alumínio, celulose, carnes, soja, etanol, frutas e camarões, além da energia e outras infraestruturas. A degradação ambiental — desmatamento, perda de biodiversidade, erosão dos solos, consumo excessivo de água — afeta o modo de vida e a segurança alimentar dos povos, gera migração e desnutrição, entre outros. A contaminação ambiental vem sendo cada vez mais relacionada a doenças respiratórias, endócrinas, imunológicas, neurológicas e cânceres. E geram também injustiças, na medida em que estes impactos são distribuídos desigualmente entre as classes sociais, os grupos étnicos, gerações e gêneros.
Um exemplo claro disto é a expansão do agronegócio sobre ecossistemas como a Amazônia, o Cerrado e o Semiárido. Se centrarmos o olhar apenas em um dos problemas gerados, os agrotóxicos, vamos poder entender por que o Brasil é, desde 2008, o país que mais consome agrotóxico no mundo: são mais de 1 bilhão de litros por ano. Este veneno vai contaminando os trabalhadores, os moradores no entorno das empresas, as águas, o ar, o solo e os alimentos. De acordo com a Anvisa, 63% das amostras de frutas, verduras e legumes examinadas anualmente mostram a presença de agrotóxicos: o veneno está na mesa também. Em pesquisas conduzidas na Universidade Federal do Ceará, cerca de 30% dos trabalhadores examinados apresentam quadro compatível com intoxicação aguda, entre 5% e 19% tinham alterações da função hepática, alem de um caso de óbito por hepatopatia tóxica; em mais de um quarto de um grupo de trabalhadores de banana foram encontradas alterações na medula óssea que são pré-neoplásicas, entre outros dados.
O que compete à academia, às políticas públicas e à sociedade neste contexto? É o que debatemos no VI Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, na Uerj, organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Raquel Maria Rigotto é médica formada pela Universidade Federal de MG