Por nara.boechat
Rio - Marcelo Cerqueira, eleito vice-presidente da União Nacional de Estudantes (UNE) em 1963, esteve com o presidente João Goulart dias antes do golpe empresarial-militar de 1º de abril de 1964. Depois do golpe, já advogado, notabilizou-se na defesa de perseguidos do regime. Constitucionalista, teve também atuação política. Em 1986 foi um dos candidatos a deputado federal mais votados do Rio de Janeiro, mas não foi parlamentar constituinte. Seu partido não completara o quociente eleitoral, número de votos mínimos necessários para dar direito ao primeiro assento parlamentar. Marcelo Cerqueira tem se manifestado preocupado com a portaria normativa ‘Garantia da Lei e da Ordem’, editada pelo ministro da Defesa, Celso Amorim.
Portarias são atos administrativos internos pelos quais os chefes de órgãos expedem determinações a seus subordinados. São atos ordinatórios que visam a disciplinar o funcionamento da Administração e se limitam ao âmbito interno dos órgãos públicos. Do ponto de vista técnico, causa estranheza que se edite uma portaria com pretensão normativa. Pior ainda é seu conteúdo. A portaria pretende estabelecer orientações para o planejamento e o emprego das Forças Armadas contra a sociedade.
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A Constituição estabelece que a segurança pública é exercida para a preservação da ordem pública pela Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares. O manual classifica como força oponente pessoas, grupos de pessoas ou organizações, explicitando divórcio entre o Estado e a sociedade civil. A portaria ‘criminaliza’ qualquer movimento, inclusive os sociais. Além disto, reduz as Forças Armadas ao papel de polícia no combate à criminalidade, quando sua função constitucional não é desta natureza.
O documento diz que os planejamentos das Operações de Garantia da Lei e da Ordem deverão ser elaborados no contexto da Segurança Integrada, com a participação dos órgãos do Judiciário, do Ministério Público e de segurança pública. Ou é a arrogância de quem se julga com superpoderes ou a ignorância sobre a divisão de poderes própria do nosso sistema constitucional. O Judiciário não é um órgão, mas um dos poderes da República. Quem o elaborou tem ciência da ilegalidade. Afinal, trata da necessidade de assessoria jurídica aos comandantes e fala da ‘suma importância’ da participação do Judiciário no apoio ao planejamento e na execução das operações, visando a evitar contestação. Mas o papel do Judiciário também é outro. É garantir os direitos.{TEXT}
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João Batista Damasceno é Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito