Por tamyres.matos

Rio - Legados da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 talvez não se realizem para a sociedade. Especialistas apontam que os megaeventos trazem benefícios para os organizadores, mas deixam ônus para os cidadãos. Os Jogos Pan-Americanos de 2007 pouco ou nada deixaram para a cidade e para o cartunista Latuff, apenas um processo por haver ironizado o mascote, marca de propriedade de uma empresa envolvida no evento.

O Rio de Janeiro vive momento difícil. Os transportes públicos são caros e precários; o trânsito, caótico; nos hospitais públicos não há atendimento adequado, e não há Educação pública de qualidade. Em matéria de política de segurança pública, a calamidade não poderia ser maior. Concretiza-se a ineficácia da ocupação militar de territórios, pois quem antes se questionava sobre sua impropriedade e insustentabilidade no longo prazo hoje tem por certo que o barco está afundando.

Quase um terço do contingente da Polícia Militar, efetivamente empregado em atividade de segurança pública, está alocado em algumas poucas dezenas de áreas militarmente ocupadas, em prejuízo do resto do estado. A ocupação militar de uma área não significa extinção da criminalidade. Crime é fenômeno social que permeia as relações em todas as sociedades. Com a ocupação militar algum tipo de criminalidade migra, mas não é possível ocupar militarmente todo o estado. Não haveria recursos materiais e humanos ou capacidade organizativa de uma empreitada tão insana.

Os ataques a policiais nas áreas das UPPs, com morte de praças, cujas vidas são expostas pela política militarizada, tornam mais acentuada a sensação de insegurança e propiciam ações individuais marcadas pelo sentimento de vingança. A política de confronto submete praças à truculência e os expõe à morte. Só os que se beneficiam da política de segurança militarizada e com a ‘guerra à criminalidade’ são capazes de defender a política de confronto e extermínio. Para estes, pouco importa se morre um policial, um traficante ou um trabalhador.

O que se tem no presente momento é a difusão da sensação de violência, do desejo de vingança e da cultura da truculência, que em nada contribui para uma cultura de paz. Uma obra de arte choca mais que os rastros de sangue de pessoas arrastadas depois de mortas. Jovens pobres e negros são vitimados em suas comunidades, discriminados nos shoppings e sujeitos a serem acorrentados em postes na Zona Sul da cidade. Sem o reconhecimento de que todos são detentores de direitos inerentes à qualidade de pessoa humana, não haverá paz.

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito

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