Por bferreira

Rio - Em agosto de 1943, Mandela participou de seu primeiro ato político. Na comunidade de Alexandra, em Johanesburgo, onde morava, protestou com mais dez mil pessoas contra o aumento da tarifa de ônibus, que passou de quatro para cinco pences. Essa manifestação ocorreu num regime autoritário, de opressão e discriminação racial. No Brasil, 71 anos depois, em plena democracia, num governo eleito com base em sua história de manifestações públicas e compromissos sociais de vanguarda, protestos são violentamente reprimidos, movimentos sociais, criminalizados e cidadãos, presos, agredidos e perseguidos.

O que separa Alexandra do Brasil é a eleição da violência policial como forma de reprimir os protestos e a resposta igualmente violenta, que vem recrudescendo as relações entre povo insatisfeito e governo insensível, que ora recua, fingindo atender aos reclamos, ora avança, atendendo aos interesses dos avaros empresários que financiam suas aspirações políticas. A violência nunca é o melhor caminho de resolução dos conflitos sociais. Mas é fácil verificar que o próprio reconhecimento pelas autoridades policiais de seu despreparo para enfrentar as manifestações e o uso indiscriminado da violência contra o povo são os responsáveis pelos atos de respostas violentas.

O prefeito que há seis meses recuara na intenção de reajustar as passagens hoje anuncia sem qualquer justificativa um aumento acima da inflação e ainda chama de “filhinhos da mamãe” os jovens solidários ao povo trabalhador que participam dos protestos. Senhor prefeito, “filhinho de mamãe” são aqueles que ficam em casa vendo televisão, comendo Danoninho e sonhando em ocupar um cargo público.

Aos que não entendem as razões de protestos contra o aumento das tarifas de transporte, Mandela responde que, no seu caso, a despesa representava 22% do orçamento. Assalariados, como ele, têm despesas com moradia, vestuário, alimentação, etc... e Mandela ainda não tinha filhos, mas a maioria dos brasileiros tem em abundância, e filhos precisam de escolas, transportes, vestimenta, alimentação.

A doutrina da não violência é sempre a mais inteligente e deve prevalecer sempre, mas a tentativa do Congresso e das autoridades de segurança de calar pela coação e por leis de exceção as manifestações populares deve ser combatida pelos democratas. Afinal, diante desse mar de corrupção, da ausência de políticas públicas que privilegiem a Educação, a Saúde, o saneamento básico, a saúde e o transporte, do terrorismo policial que entra nas comunidades pobres matando inocentes trabalhadores, ou mesmo meliantes — ofensas aos direitos humanos, indignidades e momentos de insanidade administrativa —, não há como alimentar a cólera, a rebeldia e o desejo de lutar contra o sistema que aprisiona o povo às mais miseráveis condições de falta de respeito à dignidade da pessoa humana.

Diante dessas condições tão adversas, a juventude não consegue agir de forma diferente a não ser sonhar a mudança desse sistema político que mantém tão covarde desigualdade social, com o esmagamento dos valores humanos pelos interesses argentários de empresários e setores da mídia que insistem em manter esse apartheid social.

Desembargador do TJ e membro da Associação Juízes para a Democracia

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