Por thiago.antunes

Rio - Queridos, estou no fim do mundo. Realizando um antigo desejo meu de ver onde acabam as terras da América do Sul, e só há lugar para gelo e água. Terra de umas criaturas estranhas: pinguins que andam engraçados e são barulhentíssimos, focas que fazem o mais belo dos balés ao saltarem juntas, em maravilhosa sincronia, por entre fiordes e geleiras. Eu e o gelo, o gelo e eu — foi assim que batizei todas as fotos da viagem. É de um branco azulado interminável, e recomendo veementemente a todos os que puderem, e tiverem resistênc ia aos abaixo de zero.

A chegada em Ushuaia, à tarde, com linda luz do sol sobre as montanhas nevadas, é estonteante e super-romântica. Um dia é suficiente para namorar e pôr o romance em dia. Pegue o navio e parta para o Cabo de Hornos, último pedacinho de terra antes da Antártida. Ventos gelados de 100 km/h, que sempre enlouqueceram e desafiaram navegantes, que afundaram tantas expedições históricas, enfim, bem-vindo ao purgatório gelado, porque o inferno é logo ali.

Se não quiser atravessar para o gelo, volte pelos canais e estreitos desta verdadeira renda de mar e ilhas. O mapa é um escândalo de tão rendilhado, e você estará na República Independente de Magalhães, Sul do Chile, que até bandeira tem. Estrelada pela Terra do Fogo, a história passou por aqui: da primeira circunavegação do globo, por Fernando de Magalhães, de 1519 a 1522, até o Beagle de Charles Darwin na metade do século 19. A piada é que estes desbravadores começaram catalogando o pinguim como ganso, único animal que eles conheciam e que poderia ter parentesco com os preto e branco.

É facílimo entender por que todo mundo pira neste lugar, esquisitamente lindo, inóspito e sedutor. Vinhos deliciosos e o assado patagônico com o cordeiro deixando todos de barriga cheia. Para terminar, no alto de uma rocha, donde tínhamos a visão privilegiada da Baía de Wulaia, a guia, num lindo espanhol pausado, disse: por estas praias viveu um povo lindo que se chamava Yamanas. Viviam nus e enfrentavam os rigorosos invernos besuntando seus corpos com gordura de baleia e leão marinho. Eram lindos e felizes.

Mas aí chegaram os anglicanos, seus pastores religiosos e sua sabedoria. Vestiram os Yamanas e trouxeram as novas doenças. Hoje, desaparecidos todos, celebramos a herança de um povo que éramos nós, Chilenos. O silêncio era total entre o grupo de turistas, úmidos na chuva fina de um anoitecer de 4 graus. Tentávamos entender este encontro de dois mundos, que, afinal, só muda de endereço, pois o mar trouxe toda a grandeza e desgraça da humanidade.

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