Por bferreira

Rio - Ele me diz que é mórmon e dissolvo lentamente: eu jurava que ele era um gay assumido, tendo ao lado o belo rapaz que o acompanhava durante o passeio. Dormem no mesmo quarto, bebem todas, todas as noites, e se fotografam nus nas paisagens belíssimas que vamos encontrando. Músculos, poses de perfil de quem se gosta muito, e quer mostrar para outros aquela belezura toda. Porque não acredito que as fotos morrem neles mesmo. O pavão abre sua cauda, e não é para encantar as fêmeas.

Vendo meu desconcerto, ele diz que faz parte do grupo progressista da religião, e até discursa que um homem gay, como eu, é aceito e respeitado. Só que se quisermos pertencer ao culto, teremos que reprimir a prática, portanto desejar pode, transar, não. Pelo menos não precisaríamos fingir, mas deve ser um esforço sobre-humano. Ele é aquele maduro que vai ser para sempre ser solteiro e morar na casa dos pais.

E tendo a boca livre do turismo, convidou o menino bonito para dividir o quarto. Será que ele se contenta com as migalhas, tipo basta ter o outro ao lado, na mais absoluta consumação do que chamamos amor platônico? O contemplável rapaz apolíneo, em seu encantamento de pureza e frescor, deve viver no redemoinho da desconfiança ou a-do-rar aquela amizade que ousa dizer o nome. Viver é realmente um salve-se quem puder.

E eu ali, a olhá-los, e cantarolar dentro de mim Rita Lee: “Lindo, e eu me sinto enfeitiçado, êee, correndo perigo.... Seu olhar é simplesmente lindo, mas também não diz mais nada, e então quero olhar você, depois ir embora”. Triste de morrer, porque os versos entendem que como deste mato não sai coelho, olhar e bater em retirada é a melhor solução.

E quando envelhece e olha pra trás, como faz para não cortar o pulso? Talvez a presença de Deus aplaque o buraco oceânico do qual Freud nos fala. Ele também diz que o mal-estar da civilização é nos obrigar a abandonar o instinto. Controle-se, não solte sua franga, a ordem é sublimar por uma coisa maior, mais sagrada. Se você não viver agora, ganhará o direito a uma sobrevida, eterna. A decisão é pessoal e intransferível, cada um saberá a dor e a delícia de ter decidido.

E eles partiram e eu nunca mais os verei, em sua simpatia e compreensão sobre minha condição esquisita de bradar aos ventos minha sexualidade desviante. Eu diria até que eles sentem uma ponta de pena de mim, apontado publicamente como homossexual. Divina complacência, desaparecendo na névoa do tempo, apaziguada por uma versão muito pessoal de sua religião, que distorce os dogmas em proveito próprio.

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