Por bferreira

Rio - Uniformizado, com um caderno e um lápis na mão, o menino se aproximou: “Tia, tudo bem? Não é assalto, não. Queria saber se você poderia contribuir com a minha pesquisa sobre a Páscoa”. “Claro, fale”, respondi. “Basta você colaborar com qualquer quantia para ajudar na festa do colégio”. “Ih, mas eu não trouxe dinheiro”, disse. E saí.

Fui caminhando e pensando... Não aguentei e voltei em 20 minutos. “Ei, menino, ainda está fazendo a pesquisa? Encontrei R$ 5 na bolsa. Mas acho que você realmente deveria fazer uma pesquisa. Assim, iriam colaborar mais. Por exemplo, você poderia perguntar por que dão ovos na Páscoa”. “Ah, essa é fácil!”, vibrou. “Porque as crianças ficam felizes!”. A alegria do moleque me desmontou. Fui rindo até chegar em casa, depois de explicar que os ovos representam a ressurreição de Jesus, para os cristãos.

A criatividade do pequeno brasileiro para garantir seus chocolates mostra a genuína alma do nosso povo. Isso é totalmente Brasil. E avisar de cara que não é assalto já alivia quem é abordado. “Ah, tá, tudo bem, se não é assalto então vai em frente!”

Está no nosso sangue o jogo de cintura e a criatividade. Nem notamos que já somos escolados em sublimar problemas. Uma espécie de vista grossa para tanta coisa errada, como se não tivesse solução. E já que não tem, vamos sofrer só com o pior. Num engarrafamento perto da rodoviária, cheguei a me impressionar com um ônibus passando por cima do canteiro para fugir do tumulto na frente do carro da polícia. “Olha, que absurdo!”, comentei, indignada. Acabou o respeito ao poder público, o motorista não estava nem um pouco preocupado em fazer a bandalha diante da viatura da PM, que em seguida entrou na fila dos “espertos” e fugiu do trânsito com a mesma “solução caseira”. São tantas coisas erradas que se uma não agride tanto, no minuto seguinte já estamos com a cabeça em outra. Por exemplo, nos murais do Profeta Gentileza, ali dos arredores da Avenida Francisco Bicalho, pregando que gentileza gera gentileza. Tão simples e tão esquecido. Quer gentileza? Exercite.

Mais ou menos como funciona com o preconceito. Recebi muitas mensagens ao longo da semana por conta da última coluna, sobre a Valesca Popozuda. E o que motivou os e-mails? Foi visível: preconceito. Ao explicar para uma amiga, comentei: “É que eu não tenho preconceito de nada”. Para em seguida me corrigir: “Tenho, todo mundo tem algum. Mas presto atenção e luto para não ter”. Ou seja, exercício. Acorde cedo e pense em malhar as boas atitudes. A cabeça agradece.

E-mail: karlaprado@odia.com.br

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