Rio - Conta a anedota que uma socialite estava parada em um engarrafamento dentro de seu luxuoso carro quando foi surpreendida por um mirrado jovem:
— Senhora, me ajude, estou sem comer há dois dias.
Revoltada com aquela situação deplorável, a socialite responde:
— Meu filho, não faça isso! Você não sabe que faz mal ficar sem comer tanto tempo assim?
Essa piada evidencia o quanto o lugar que ocupamos na sociedade limita a nossa visão do mundo. Homens brancos e ricos, por exemplo, tendem a ter uma vida tão distinta de mulheres negras e pobres que dificilmente terão as mesmas opiniões e o mesmo conhecimento da realidade. Por isso mesmo, foi necessário que mulheres entrassem na política para que questões como assédio sexual e violência doméstica fossem discutidas por juristas e políticos. Foi necessário que cadeirantes fossem eleitos para que o Estado se preocupasse mais com a qualidade de nossas calçadas, problema político secundário para a maioria das pessoas, mas determinante na vida de um portador de deficiência locomotora.
Um Estado gerido apenas por homens seria fatalmente um Estado insensível à especificidade dos problemas vivenciados pelas mulheres. Do mesmo modo, um Estado gerido basicamente por brancos dificilmente é capaz de pensar adequadamente políticas públicas voltadas para os negros. Daí a importância do Projeto de Lei da Câmara 29, de 2014, que reserva vagas para negros (pretos ou pardos) em concursos públicos federais. A partir da sua sanção, todo concurso para órgão federal deverá reservar 20% de suas vagas para os candidatos que se autodeclarem pretos ou pardos.
Tal medida é relevante não apenas porque facilita a já difícil ascensão social dos negros brasileiros, mas também porque inclui na administração federal uma perspectiva social silenciada cotidianamente. Talvez seja impossível para um branco saber o efeito devastador do racismo. A experiência com a discriminação, da mais sutil e implícita à mais grosseira e explícita, não apenas impede que o negro alcance o topo da pirâmide social. Ela impede também que seus problemas sejam levados em consideração pela instituição incumbida de resolvê-los: o Estado.
Luiz Augusto Campos é sociólogo, professor na Unirio e pesquisador no Iesp/Uerj