Rio - O ex-governador Chagas Freitas notabilizou-se na política pelas relações pessoais com o eleitorado. Com promessas de emprego, vagas na escola pública e cartinhas para consulta médica, cultivava uma clientela fiel em tempos de eleição. A professora Eli Diniz estudou o fenômeno do Chaguismo e produziu a obra ‘Voto e máquina política: patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro’.
O clientelismo não se caracteriza apenas pela doação ou assistência, mas pelas trocas ocorridas. O governante dá alguma coisa ao eleitor, mesmo fora do período eleitoral, e se torna credor do voto e da fidelidade política. No clientelismo não há programa de governo, nem cidadania, nem direito de exigir do poder público o que é por ele devido. As demandas se resolvem por relações pessoais pelas quais o eleitor recebe um ‘favor’ e se torna devedor da fidelidade eleitoral. Os direitos são convertidos em dádiva ou moeda de troca.
Mas no Chaguismo nem sempre o clientelismo envolvia relação pessoal direta. A mais notável das realizações do período chaguista era a inauguração de bicas d’água nas favelas e periferia. De terno branco, o governador era todo sorriso, e a população agraciada com o líquido era mais sorridente ainda, embora fosse um sorriso sem dentes. Evidente que uma bica d’água num bairro é causa de felicidade, por se poder encher um balde, levá-lo para casa e dar de beber aos filhos e fazer a comida. Mas isto não é cidadania, nem pode ser considerado programa de governo.
O Chaguismo tinha dentre outros malefícios a hierarquização das relações políticas de acordo com o poder de barganha. Na ponta, o eleitor-beneficiado; acima dele, o político-benfeitor, mediado pelo cabo eleitoral e, acima de todos, o poder central que liberava as verbas para as benesses. Ainda que de oposição, o
Chaguismo era tão vinculado ao governo militar que o senador biônico Amaral Peixoto e seu genro, o hoje ministro da Aviação Civil Moreira Franco, eram considerados da ala autêntica da oposição.
Na atualidade, o governo federal lançou o ‘Programa Brasil Sorridente’. Milhões de reais já foram destinados à distribuição de próteses dentárias aos banguelas. É a velha doação de dentadura sob nova roupagem. Tenho conversado com gente séria que fala da felicidade de quem não ria e agora ri com a boca cheia de dentes. Tal como a bica d’água, a distribuição de dentadura pode fazer sorrir, mas não há de ser considerada um programa de governo. Melhor seria se houvesse saúde pública bucal que evitasse a perda dos dentes.
Mas, assim como no governo Médici e seu milagre econômico, o que interessa, no momento, é a Copa e o ‘Brasil Sorridente’, graças às dentaduras que o governo distribui. Este é um país que vai pra frente!
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito