Rio - A aposentadoria, a pedido, do ministro do STF Joaquim Benedito Barbosa não causou surpresas, nem lamentos. Ressentidos com os condenados na Ação Penal 470 comemoraram o resultado do julgamento e o arbítrio no processo de execução, sem perceber a possibilidade de repercussão negativa na esfera dos direitos dos mais humildes. Se o ministro pode fazer o que fez, por que não se pode, nas periferias, fazer as mesmas coisas em prejuízo de negros e pobres?
Nomeado em razão de critério racial adotado pelo presidente Lula, o ministro inspirava esperança. Logo que botou as mangas de fora, mostrou-se de temperamento instável, com exagerada concepção de si mesmo e incapacidade de ponderar ante argumentos que não viessem ao encontro de suas opiniões.
Escalado para bater um pênalti na Ação Penal 470, o ministro marcou um gol. Fez o que a galera pedia. Sem fôlego para jogar até o fim do campeonato, pediu pra sair antes que lhe cessassem os aplausos pelos quais trabalhara. Num dos célebres julgamentos da história, Pôncio Pilatos não fez justiça quando deveria; preferiu os aplausos. Sentimentos momentâneos, mesmo que da maioria, nem sempre são adequados à racionalidade que se espera de um julgador. O que há de orientar um julgamento não é o mesmo sentimento durante um linchamento. Não duvido da existência de razões para inabilitar politicamente os acusados na AP 470. Mas um juiz há de julgar fato concreto, e seu convencimento há de resultar da prova existente nos autos, obedecido o devido processo legal. As Constituições foram criadas para limitar os caprichos. Num Estado de Direito há de prevalecer a vontade impessoal da lei, e não as vontades pessoais.
Juízes, quando julgam de acordo com a ordem jurídica justa, costumam desagradar a metade das partes. Para o vencedor, é apenas alguém que cumpriu sua obrigação. Para o perdedor, um injusto. Diante de vitória apenas parcial, até o vencedor reclama. Juízes não devem esperar aplausos. Quando julgam sob holofotes, são de altíssima periculosidade social e um dano iminente para as liberdades e para a justiça.
Lembrarei o ministro por sua presença em um botequim durante licença médica, sua ida ao Bar Luiz após ofender outro ministro, de onde saiu aplaudido pelos bêbados, e sua presença na quadra de uma escola de samba. Não gostaria de lembrá-lo como um juiz de ocasião, mas por alguma medida em prol da demarcação de terras quilombolas, das terras indígenas, da reforma agrária, do direito à moradia ou contra as remoções e extermínio de negros e pobres. O ministro Joaquim Benedito Barbosa passou tal como um cometa: reluzente, mas temporário. Há homens públicos que são assim. Os que compreendem seus papéis institucionais são como estrelas: brilham pouco, mas são permanentes, e o efeito do que fazem perdura mesmo depois de não mais existirem.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito