Por felipe.martins

Rio - Gosto de feira livre. Minha avó paterna era do ramo. Vendia galinha viva ou, preço combinado, abatida, depenada e com o sangue reservado pro molho pardo. Bigode ralo de vinho, mantinha as caipiras no fundo do quintal, rendendo ovos pro café reforçado.

Tenho na memória uma imagem, quase um parágrafo de Gabo: as cristas vermelhas vazando a grade das gaiolas em cacarejos de socorro antes das trançadas asas num cone feito de jornal. Dessa época, guardei por bom tempo os pesos que equilibravam na balança, o quilo maroto da mercadoria. Foi o meu tesouro da juventude.

Morei anos na Tijuca, na Rua Garibaldi. Ali, até hoje, se arma uma das melhores feiras cariocas, orgulho da região. Essa proximidade me proporcionou uma aventura inesquecível, adquirir uma barraca com o toldo em listras e proposta excêntrica: comprar, receber visitas, um quintal na rua! Sim, durante dois anos, amigos sentavam em torno do tabuleiro, e diferentes assuntos, amenidades cariocas, varavam a primeira metade do dia.

Meu herói dos sábados nessa página, Jaguar, foi um dos ilustres “fregueses”. Outros guerreiros da nossa cultura — Ruy Castro, Otávio Augusto, Antônio Pedro, Lan e Chico Caruso — só arredavam o pé quando Cacau, o gerente da limpeza urbana, apontava a possante mangueira em nossa direção.

Pra não restar dúvida, alguém apostar que é delirio da minha abstinência a destilados, o cineasta irlandês Hugo Moss documentou em “Dia de Feira” esse inusitado encontro de boêmios diurnos. Procurem no Youtube. Atualmente, moro na Glória. O destino tratou de encostar a feira da Augusto Severo na minha esquina. Pastel disputado ainda na fritadeira, frutas exóticas na primeira curva e muito peixe na reta final. No meio, ostras e caranguejos, todos vivos, fazem a festa dos esperançosos.

Surpresa maior me aconteceu há dois domingos. No meio do “mercado”, onde são servidos comidas de panela e assados na pressão, um trio com baixo acústico, violão e violino desfiava um cardápio de músicas famosas em ritmo de bossa­nova. Me senti um turista em plena Praça Paris.

Além de “mulher bonita não paga!” e “um é dois, três é cinco”, novas vozes darão cadência aos gritos de atenção. E vamos à xepa!

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