Por bferreira

Rio - Hoje, sábado, estarei na Flip, em Paraty, que homenageia Millôr. Na abertura, quarta-feira, li meu retrato falado feito por ele em 1969, em parte por preguiça, em parte por exibicionismo. No começo não tinha nada a ver comigo, mas, com o tempo, fui me encaixando. Ei-lo: “Jaguar tem dois lados — o lado de lá de tarde bate o sol, por isso é que sua fisionomia é toda contraluz. Movimenta-se em vários sentidos, três deles completamente neutros, nem por isso, porém, impraticáveis. Usa bigode, mas não se vê. É patriota contratado esperando efetivação. Com suas mãos, conseguiu executar uma terceira que usa para os melhores desenhos que faz. É casado, mas não acredita no inferno. Às sextas-feiras — às vezes entrando pelo sábado — é apocalíptico. Em dias de alegria fica triste, mas esconde isso sob tal tumulto que sempre recebe o troféu Alegria da Festa.

Tem uma filha cor-de-rosa e um filho verde nascido misteriosamente em Pirassununga alguns anos atrás. Agora, quanto ao câncer, é a favor. Seus melhores amigos estão nas linhas transversais, mas não se importa; de vez em quando até desenha um com aquela espada. Pratica-se diariamente, por isso é que é tanto. Tem degraus, 78 ao todo, mas está pensando em instalar elevatória. Grande coração, as dimensões do qual têm sido até exageradas — pois não transplanta. Da ponta do pé à cabeça vai toda a sua altura, mas nem por isso o diminui. Reto quando prumo, se curva todo ao menor elogio contrário. Tem olhos azuis, com os quais procura disfarçar seus estranhos óculos redondos. Modelo de pai, tem sido sempre escolhido como mau exemplo.

Sua diversão preferida é ficar todo torcido diante dos espelhos que distorcem e fundir a cuca dos espelhos. Qualquer balança porém logo o desequilibra. No Banco do Brasil é considerado um funcionário bárbaro, porque onde ele passa não cresce a grana. Se levanta com o sol: o difícil é deitar lá em cima da montanha da Gávea às 4h, depois de um pifa. Não fuma, mas zangado, deita fumaça. Túnel Rebouças foi apenas durante 15 dias, pois detesta ar encanado. Quanto a Ipanema, diz sempre com orgulho: ‘I am a Banda.’ Tem 36 anos, o que fica muito bem na sua idade. Como vidro, é eternamente jovem, a não ser que o arranhem. Embaça um pouco em dias de areia interior, mas basta uma flanela que de novo brilha e reflete. Costumo lhe dizer: ‘Com teu talento, Jaguar, eu não estaria aqui. Estaria no Corredor da Morte, nos Estados Unidos.’”

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