Rio - Deputados representaram no CNJ contra decisão de juiz que decretou prisão de manifestantes sem suficiente fundamentação. A petição ao CNJ é direito de todos, mas se configura recurso impróprio porque dirigido a órgão que não tem poder recursal. Mas foi feita por parlamentares de concepção democrática, comprometidos com o Estado de Direito, com a cidadania e com as lutas sociais.
A administração do Tribunal de Justiça editou nota repudiando a atitude dos parlamentares e disse estarem politizando questão jurídica. Nada mais estranho falar-se em politização num poder profundamente politizado onde, por vezes, prisões, remoções de presos para outros estados, quebras de sigilos telefônicos e liminares são apreciadas após pedidos do governo. A reação indignada é desproporcional diante de ameaças efetivas sofridas por outros juízes, dentre as quais as que sofreu Patrícia Acioli. As ameaças a um juiz no ano passado, postadas por policiais na internet, não mereceram idêntica indignação.
Os assaques atuais contra o desembargador Siro Darlan, pelo exercício do direito constitucional de manifestação do pensamento, deveriam igualmente merecer repúdio do tribunal. Notadamente porque advindos dos algozes da liberdade. A politização do Judiciário não ocorre quando publicamente se postula uma medida no CNJ, ainda que inapropriada; mas na pressão para decidir em favor de quem não tem direito.
O direito de representação é livre e há de ser assegurado, mas um juiz não pode ser punido por suas decisões. É preciso defender a independência judicial. Ela é uma garantia da própria cidadania. Se um juiz for punido porque prendeu manifestantes, maior poderá ser a punição quando contrariar interesses da classe dominante. A democracia há de aperfeiçoar os controles de conteúdo das decisões judiciais, mas nunca haverá de punir juízes por elas; existem meios para lhes retirar os instrumentos com os quais podem cercear liberdades. No caso da prisão temporária, é preciso revogar a lei que a autoriza ou declarar sua inconstitucionalidade. Precisamos defender o princípio da independência judicial e retirar dos juízes o poder de cometer arbítrio.
A independência judicial não é garantia para os juízes, mas para a sociedade. Mas nós, juízes, não podemos nos arvorar independentes da própria ordem jurídica, nem alheios à sociedade que nos confere o poder para julgamentos. Havemos de ser independentes em prol da sociedade e na realização dos valores jurídicos próprios da ordem democrática, com garantia de podermos decidir mesmo em contrariedade aos interesses da classe dominante, dos governantes transitórios e dos torquemadas inebriados pela febre da acusação e do encarceramento.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito