Por bferreira

Rio - A discussão estava acalorada: “Que absurdo! Marina riu no enterro! A mulher riu no enterro! Os filhos riram no enterro!” Até que uma órfã entrou na história: “Qual o problema? Eu ri no enterro do meu pai. E não é para defender não, porque não sou ‘marinista’. Minha mãe veio me perguntar se agora ela era viúva. E eu tive que rir. Ela estava separada do meu pai há anos! Eu ri e falei: ‘Não, né, mãe, viúva é a mulher dele!’ Por isso sou desnaturada? Claro que não!”. E começou a gritaria de novo.

Eu, que já enterrei boa parte dos meus e costumo dizer que nasci numa família grande, apesar de sermos hoje meia dúzia, também tomei a palavra: “Gente, não tem problema nenhum. Você pode rir porque alguém te fala uma palavra de conforto, alguém faz uma piadinha de humor negro para te alegrar, ou porque alguém lembra alguma história engraçada do morto! Seria uma hipocrisia ficar carrancudo. Uma coisa é tristeza e luto. Outra é a ocasião, o contexto... E jornalista tem mania de contextualizar tudo... no seu contexto!”

Ora, se ela estava rindo, estava fazendo campanha. Se a outra riu no enterro do pai, não vale nada. Como assim, meu povo? Vamos acalmar os ânimos. Eu mesma ri no enterro da minha mãe. Ri quando vi que todos do meu trabalho chegaram. Ri porque por um momento não me senti só, naquele instante me senti amparada, e quando fui vendo um a um, resolvi rir. Por um minuto, abraçando cada um, até esqueci daquela dor profunda que havia me abatido de véspera e comecei a reparar nos óculos escuros deles. Esse combina. Esse é brega. Esse é de grife. Esse é feio. Esse é bonito. Aí voltei à realidade me dando um pito: “Ei, para de futilidade numa hora dessas!”

São pequenas distrações, pequenos alentos, pequenos momentos ‘fofando’ a alma. Mas sempre tem um exército disposto a julgar, a atirar a primeira pedra (aí o clichê!). Como se todo mundo fosse o tempo todo puro, livre de erros, de pensamentos mundanos. Todo mundo pensa uma besteirinha de vez em quando, todo mundo se trai em pensamento e ‘ai, meu Deus, tira isso desse corpo que não me pertence!’ Sejamos realistas e sinceros. Mamãe já dizia: “Macaco senta em cima do rabo e repara no dos outros”. Sábia rainha dos ditados. Um amigo meu criticou após o velório: “Só não gostei muito da parte em que você resolveu fazer um discurso e falar que sua mãe era a rainha dos pensamentos, aquele momento de descontração, de riso. Ali não era um palco”. Pois eu gostei. E ela gostaria. De resto, como disse um outro amigo, quero mais é que sorriam no meu enterro, porque eu detesto tristeza.

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