Rio - Ante assaques sofridos pelo desembargador Siro Darlan, em decorrência de concessão de habeas corpus a manifestantes presos e pelo exercício de manifestação do pensamento, acorreram magistrados e membros da sociedade civil em ato de desagravo a ele. O histórico salão do Primeiro Tribunal do Júri comportou centenas de pessoas na defesa da liberdade de expressão, primeiro princípio da democracia, e da independência judicial. Notas de entidades e mensagens de autoridades comprometidas com o Estado de Direito Democrático foram lidas. Uma delas, escrita em forma de carta ao desagravado, era da cofundadora da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e ex-presidenta da Federação Latino-americana de Juízes para a Democracia, Kenarik Boujikian, primava pelo tom coloquial e pela historicidade da questão da independência judicial e liberdade de expressão dos juízes pelo mundo. Nela, a desembargadora paulista teceu considerações sobre vários julgados ao redor do mundo onde a questão foi tratada.
A ONU dedicou especial atenção à questão da independência judicial. No Sétimo Congresso das Nações Unidas, foi destacado que dentre os princípios da independência judicial deve ser garantido pelos Estados que os juízes, assim como os demais cidadãos, gozem de liberdade de expressão, associação, crença e reunião, a fim de preservar a dignidade de suas funções. Após a adoção destes termos foram adotados os Princípios de Bangalore, onde se estabeleceu que os juízes, como qualquer cidadão, têm direito à liberdade de expressão.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos debruçou-se em dois casos sobre violação da liberdade de expressão dos juízes com decisões recentes que reafirmam tal direito. A Corte Europeia de Direitos Humanos analisou o tema da liberdade de expressão referente a uma juíza russa e reafirmou que ela constitui a essência de uma sociedade democrática, condição básica para o desenvolvimento destes valores.
Juízes apenas não podem se expressar sobre causas ainda sujeitas aos seus julgamentos. Isto implicaria juízo antecipado da causa e ensejar impedimento. Mas para a difusão da cultura jurídica democrática devem os juízes se pronunciar sobre questões de interesse da sociedade, a fim de contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa, solidária e pluralista, com prevalência dos direitos humanos e sob o fundamento da dignidade humana, o que somente será possível se atuarem no sentido do reforçamento dos valores próprios da cidadania. Para contribuir com o reforçamento de tais valores, antes os juízes precisam se sentir e se comportar no dia a dia como cidadãos e, no âmbito de suas funções, como prestadores de autêntico serviço público, pautados pelos princípios que norteiam a ação do Estado.
?João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito