Por adriano.araujo

Rio - Perguntei a Fidel Castro, em 1980, quando o conheci em Manágua, por que o Estado cubano era confessional. Ele levou um susto. “Como confessional? Somos ateus!” Reagi: “Professar ou negar a existência de Deus é confessionalidade, Comandante. A modernidade exige partidos e Estados laicos.” Ele afinal concordou.

Pouco depois, o Estatuto do Partido Comunista de Cuba e a Constituição do país foram modificados para imprimir caráter laico às duas instituições.

Laico ou leigo é aquele que não atua condicionado por orientação religiosa. Estado confessional é o que adota oficialmente determinada crença, como o Estado do Vaticano e a Costa Rica, católicos; o Estado de Israel, adepto do judaísmo; e vários outros do mundo árabe, que professam o islamismo. Também os países comunistas, com seus Estados oficialmente ateus, eram confessionais.

A modernidade introduziu o Estado laico, que não abraça religião específica e representa todos os cidadãos, sejam eles desta ou daquela profissão de fé — crentes, ateus ou agnósticos.

Há hoje, contudo, segmentos religiosos interessados em impor suas convicções doutrinárias a todo o conjunto da sociedade. E só há dois modos de fazê-lo: converter todos os cidadãos a uma crença religiosa (o que é impossível) ou pela via do poder político. Criam-se bancadas religiosas nos parlamentos para, uma vez empossados deputados e senadores, aprovarem-se leis que obriguem todos os cidadãos a agir segundo determinados preceitos religiosos.

Exemplos de medidas consideradas válidas para quem segue determinado preceito religioso, mas abusivas quando impostas ao conjunto da sociedade são: não ingerir bebidas alcoólicas; autorizar terapeutas a tentar reverter a homossexualidade; proibir nas escolas o ensino do evolucionismo (os símios são os nossos antepassados) e propagar o criacionismo (Deus criou o mundo tal como descrito na Bíblia: descendemos todos de um casal — Adão e Eva).

Em uma sociedade democrática, o direito à manifestação religiosa e instituições laicas devem conviver em harmonia, sem que um queira se intrometer no outro.

Confessionalizar o Estado é atiçar as chamas do preconceito, da discriminação e do fundamentalismo. A liberdade religiosa deve ser assegurada, todo preconceito combatido, toda discriminação punida e todo fundamentalismo desmoralizado.

Nem Deus pretendeu impor a todos os seus filhos e filhas a fé na existência dele.

Frei Betto é autor de 'Fome de Deus' (Paralela)

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