Rio - O amigo de São Paulo cancela o nosso compromisso. Arrancou o siso. Eu, um desdentado de subúrbio, sinto uma ponta de inveja. Na minha tribo os dentes não se desalinham por conta de molares. Já nascem cariados.
Em vez de aparelhos e seus elásticos fosforescentes, uma perereca na cor da gengiva ameniza as vagas da miséria, construindo um sorriso emendado feito um durepox no paralamas em ferrugem. Banguelas no grito de gol, a arcada pertence aos camarotes.
Pros desfavorecidos, basta um dia de dor. E ela vem sempre à noite, claro. O rosto amanhece desfigurado, uma imagem de Dizzy Gillespie sem o trompete e seus agudos na surdina.
Valvulado, lembrei de Paulo Gracindo e Brandão Filho, o primo pobre da cena.
O sujeito tem fome. Encosta na primeira casa à vista e pede algo pra comer. A senhora, gentil:
— Meu filho, fiz um bobó de camarão, apetece?
— Camarão? Tenho alergia, fica pra próxima!
O carro do desventurado ferve, enguiça na subida. O pneu fura quando o estepe está instalado no fundo da mala lotada de sacolas do supermercado das compras do mês.
Quando arrisca férias, a agência erra na reserva, o voo atrasa e a pousada é só um arremedo das fotos panorâmicas no site caprichado. Tudo no cartão.
Nesses exageros da vida, sentei com o meu parceiro Aldir Blanc numa barraca de praia e pedimos duas lagostas. Devoradas até as antenas, estranhamos a ausência das moscas calipígias. Estavam zumbindo no siri da mesa ao lado.
Enfim, destino traçado, nem todos foram faraós em priscas eras kardecistas, a primeira reencarnação. Diferentes antepassados, eunucos castrados também psicografam segredos de abano.
Volto à cena do ‘Primo Rico e Primo Pobre’:
— E os meus sobrinhos, primo? Como estão passando?
— Fome, primo! Estão passando fome!
Yes, ‘sir’!
E-mail: moaluz@ig.com.br