Por bferreira

Rio - O Exército sempre foi o lado da vida que eu não tinha escolhido. Eu até transava com o sargento pai de família que era nosso vizinho, mas elas, as forças armadas lá, e eu cá. Os amigos de meu pai e os militares não eram o exemplo de virilidade que tentavam me vender; e criança, já sacava que trouxa era quem comprava aquela história pra boi dormir. Segundo meu irmão, servir ao Exército seria um bom momento para que eu aprendesse a ser homem.

Ser homem era aquilo? Não, obrigado. Me lembro que tinha que se arrastar no chão, com uns fuzis, durante o ano que a pobre criatura escolhida ficasse na caserna. Eu adorava a palavra caserna, nome misterioso. Mas a minha caserna era as dos filmes que eu via no cineclube, eu queria servir em Casablanca, poder passar por Ingrid e Bogart, assim como quem não quer nada. A caserna amazônida era muito da chinfrim, e eu disse no alistamento: não quero servir, quero ser psicólogo. O oficial me dispensou, e agora revejo o certificado de reservista, horroroso, na pasta de documentos. Não virei homem, virei eu, e segui prum lado e eles, pro outro.

Quando entrei pra faculdade, 79, os companheiros mais politizados faziam discursos contra eles, e eu me lembrava de ter decorado o nome de Emílio Garrastazú Medici na escola primária. Eu tinha medo do olhar dele na foto oficial: Jesus Cristo demais para meu gosto. E ao chegar ao Rio comecei a ouvir sobre a cavalaria na Cinelândia, explosões no Riocentro e perseguições. Portanto é tudo muito genérico, relatos distantes, que não cortavam na minha carne, mas confirmavam a versão que secretamente eu construíra sobre este universo, cuja hierarquia me dava arrepios, porque psicanaliticamente serão para mim, sempre, a figura do pai que ordenava eu ter que ser outro.

Passeando pelo Paço Imperial, absorvido pela ocupação Zuzu Angel, pela primeira vez, em minha vida de 52 anos, eu senti uma raiva objetivamente construída dentro de mim, contra os militares. Muito me incomodou a dor da mãe, a luta dela, as emboscadas, o traiçoeiro comportamento de quem se sente dono de uma sociedade, que terá que dançar conforme a música ditada, senão some. Muito neopentecostal pro meu gosto. Diante dos vestidos e das cartas, eu vi os militares agindo sorrateiramente. Uma sociedade que não valoriza a diferença, o embate de ideias, pra mim não serve, porque moro numa Pasárgada onde respirar liberdade é fundamental. “Ferida de morte e rindo”, frase que me fez chorar, passou a fazer parte de meu vocabulário, para representar a força que temos que ter para combater as ditaduras.

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