Por bferreira

Rio - Semana passada, a polícia prendeu médicos e outras pessoas acusadas de praticar aborto. Se forem condenados, receberão penas de até quatro anos de prisão — caso a interrupção da gravidez ocorra sem o consentimento da gestante, a cana pode chegar a dez anos. A questão agora é saber se a lei que criminaliza a prática será integralmente cumprida. Segundo o Código Penal, mulheres que se submetem ao procedimento também são criminosas, sujeitas a até três anos de cadeia.

De acordo com estimativas citadas ao longo do primeiro turno da eleição presidencial, o número de abortos praticados anualmente no país varia de 800 mil a 1 milhão. Os três candidatos mais votados ao Palácio do Planalto foram unânimes em dizer que não tomariam a iniciativa de mexer na legislação. Seria, então, o caso de perguntar aos dois que permanecem na disputa se acham correto submeter mulheres que abortam ao tribunal do júri — é um crime doloso contra a vida.

Tratar a questão em tese é fácil, políticos brasileiros têm resposta pronta, repetem que concordam com o aborto apenas nos casos previstos pela lei, estupro ou risco de vida da gestante. Mas os episódios de gravidez indesejada são concretos, é difícil acreditar que Dilma Rousseff e Aécio Neves não tenham conhecido amigas que resolveram abortar. Como ambos dizem concordar com a legislação, essas mulheres são, para eles, criminosas que mereciam ter sido presas.

A mesma pergunta poderia ser feita a cada um de nós. Mesmo que levemos em conta princípios éticos e religiosos, mesmo que não aceitemos a descriminalização do aborto, será que achamos correto mandar para o tribunal e para a prisão mulheres — a amiga, a irmã, a filha, a vizinha, a filha de amigos — que interromperam a gravidez? A resposta a esta pergunta é fundamental para acabar com a hipocrisia que reina por aqui.

A escolha é simples: ou mudamos a lei ou passamos a exigir que a polícia faça o serviço completo e trate de prender mulheres que abortaram. Tratemos de condená-las, de levá-las para as penitenciárias. Não deve ser difícil encontrá-las: os aborteiros devem ter fichas de suas clientes. Vale lembrar que as duas mulheres que morreram recentemente ao abortar seriam consideradas criminosas caso tivessem sobrevivido ao procedimento. Elas morreram porque, devido à proibição, recorreram a clínicas clandestinas — açougues criados e estimulados pela sociedade e por seus representantes que teimam em ignorar a realidade.

E-mail: fernando.molica@odia.com.br

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