Por felipe.martins

Rio - Não é bonito, mas tenho que confessar, é real. Inebriado de festa em festa, tenho sido marcado por imagens da rede social. Tudo rápido, profundo e no passo seguinte já estou a rodopiar no salão com os cheirosos. Sei que a vida de ninguém é totalmente boa ou ruim, mas nos infindos bailes reinam sorrisos e cordialidade. E sem controle passo o dedo na telinha, e as imagens me invadem, soberanas. Quando dou conta já estou passado, engolido pelo mundo cão.

Tocava ‘New York, New York’ quando o filminho do menino negro e magricelo, amarrado num poste com uma corda branca, começou a passar. Encostei penalizado a saída de som do celular perto de meu ouvido. O coitado pedia pelo amor de Deus para ser entregue à polícia, mas que não batessem nele. E o barulho das estacas estalando na pele dele, com as vozes dos algozes a repetir: “Na hora dos teus crimes a tua voz é outra; agora posas de coitadinho, mas coitadas são as tuas vítimas, principalmente mulheres”.

Quando volto ao visor da tela, a criatura já está toda manchada de sangue, e vejo um dos comentários sugerindo choques elétricos para que o sofrimento seja maior. Sobe-me uma ânsia de vômito, abandono petrificado a postagem, e me coloco no lugar do que apanha. Não consigo me colocar no lugar do que odeia porque odeia, e isso é simplesmente mais forte que eu. Não penso, não raciocino. Me apiedo, vestido com minha grife que me envergonha e me acusa. Sorvo mais um grande gole da bebida, para que minhas lentes arco-íris de ver a realidade sejam acionadas, mas não estou conseguindo lidar com as realidades velozes que vida real e vida virtual estão jogando na minha cara, contraditórias e em rota de colisão. Quem sou eu mesmo? O bem-sucedido ou a sucessão impossível de lá e cá que minha vida se transformou, desde que não consigo mais deixar de cair na pegadinha das postagens?

Vou vendo um monte de exibição de moças que se fotografam em sutiãs totalmente exibicionistas. Elas documentam cada meia hora de suas realidades, dão bom dia, boa tarde e boa noite em poses ginecológicas, com séquitos de rapazes enviando cantadas e súplicas de sexo casual. Uma ou outra postagem sem maiores sofrimentos, mas aí já estou no vídeo em que mãe e filha estão se atracando numa porradaria violenta, rolando numa grama, com vizinhas tentando apartar, e o homem que filma diz que não vai ajudar porque a filha, que espanca a mãe, deveria aprender a respeitá-la. Tenho ido dormir sempre com a esperança de que tudo o que tenho visto não passe de um pesadelo ruim.

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