Por bferreira
Rio - O sequestrador ordenou que os reféns da cafeteria em Sidney, ontem, erguessem a bandeira negra com esta frase em branco. Nesta situação, ele completou com Alah, mas eu uso esta frase para conversar com vocês sobre todas as formas de exclusão, para além da questão religiosa que move o criminoso, levando-o a mesma intolerância de outros excludentes. Tudo o que gostaríamos era de viver num mundo inclusivo, que levantasse bandeiras tipo “Além de meu Deus Alah, respeito que meus irmãos semelhantes tenham outros Deuses. Até sei que existe Olorum, Jesus Cristo, Jeová, Tupã, Buda... Mas o meu coração é de Alah...” Seria bacana, né? Tenho o meu, mas sei que você aí pode ter outro. Que Deus divino, que dá ao seu adorador a piedade de entender que Ele se faz presente por misteriosos caminhos que mudam de nome.
Não há outra cor de pele digna que não a branca ariana; não há outro casamento bom que não o heterossexual; não há outra inteligência que não a adquirida na universidade; não há outro signo de sucesso que não a conta bancária; não há possibilidade de honestidade se nasceu na favela; não há beleza nos gordos; não há grandeza nos pobres; não tem como trabalhar em alto posto da Petrobras se não for corrupto; não é possível ser político em Brasília sem declarar que a outra parlamentar não é merecedora de ser estuprada...
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Se vivo neste mundo do “não há outro além do meu mundo”, de cara já condenei todo o resto que não nasceu na minha aldeia, país, continente. E como o globo é formado por muitas e diferentes aldeias, só explodindo todas as cafeterias do mundo, pois se não há outro além de... não há diálogo, parcimônia, compreensão, benevolência. Eu seria o centro do universo, quem não dançar a música do meu umbigo, sifu... E se Alah não faz Natal, imaginem nesta época do ano a quantidade de gente do bem que tá com seu presepinho lindo, montado? Eu que sou do Candomblé, com meu Exu que vive me repetindo que eu não sou melhor que ninguém, que todos, até o Bolsonaro, têm direito a existir no mesmo mundo que eu, eu também estaria condenado a desaparecer neste mundo que só ama Alah.
E como eu teria que amar Alah se eu nem o conheço, ele não vive por estas bandas do mundo? Como amar alguém que mora no Oriente Médio, se eu nem os vi? Mas antes de tudo não quero que ninguém morra, seja exterminado, desapareça da face da Terra. Admiro todos os que não questionam os dogmas, mas preciso muito que eles aceitam os que não vivem sob esta égide.Todos estamos naquela cafeteria, para o bem e para o mal. Resta saber até quando, neste universo onde eu e meu grupo somos os únicos que temos direito de existir.
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