Por bferreira
Rio - Já é Natal. Papai Noel, desidratado, enxuga a barba encharcada sobre o punho de luvas brancas. O taxista conversa a respeito de um parente que enviou um currículo pro shopping onde nessa época faz bico de Bom Velhinho.
— Preciso de um emprego fixo! Cansei de ser temporário.
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Peculiaridades da data, você se descobre um megaempresário tamanha quantidade de prestadores de serviço a sua volta, a maioria despercebidos até as festas natalinas. É a caixinha do porteiro, faxineiro, do entregador de jornais e revistas (contribuições distintas), o fornecedor de gelo, do lixeiro e do carteiro, esses dois, quase amigos íntimos, isso sem contar com o garçom do boteco na esquina de casa, o guia fundamental pro seu retorno em noites de lua minguante.
A data comove. Dias antes do nascimento de Jesus, você ganha ares de Rei Mago, os três, de cara. Mão aberta, coração no mesmo viés, começam os almoços de fim de ano. As confraternizações dobram tardes de carinho e generosidade. Patrões simpáticos afrouxam a gravata enquanto os tímidos mostram os dentes, todos os dentes pra secretária de vestido ousado. A senhora do café leva a filha pra conhecer os amigos do trabalho e a menina anoitece noiva do supervisor.
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Na birosca da Zona Sul, os mais chegados dividem uma caixa de bacalhau. Depois do túnel é a rifa com vinte e cinco números. Vale um chester temperado e azeite importado. Corre na loteria de amanhã. Em ambos os casos, diferentes dicas de receita fartam o seu paladar, “dois dias de água pro peixe dessalgar, cravo e melado de cana pra pele da ave dourar”. O bêbado jura ter chegado aquela hora graças a carona de um trenó puxado a renas: “Com esse trânsito!”
É claro! A noite de Natal tem um significado religioso. As famílias se reúnem, muitas vezes apenas na ocasião, e brindam a nova vida na manjedoura. A estrela de Belém rasga o céu feito um farol de ancoradouro. Alguém lembra os ausentes e uma lágrima escorre em homenagem. Meia­noite, sob a árvore iluminada, os presentes amarrados em nós de artesão escondem o esforço de cada um. O primo quebra a noz na dobradiça da porta. O peru ganha as mesmas piadas de sempre, rabanadas assadas pela avó, vinho do porto e a frustração da camisa apertada, o cinto de poucos furos.
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Tudo faz sentido, e ‘ai’ de mim se isso deixar de acontecer... Feliz Natal para todos!