Por adriano.araujo, adriano.araujo
Rio - Pessoas pouco familiarizadas com o sistema de direitos e garantias, notadamente com os direitos humanos, dizem que a polícia prende e a Justiça solta. A única instituição que pode prender ou soltar é a Justiça. Diz o Art. 301 do Código de Processo Penal que em situação de flagrante delito as autoridades e seus agentes devem dar voz de prisão, e qualquer do povo pode. Flagrante é a certeza visual do crime. Mas não só quem o viu pode efetuar a prisão. Se alguém está no local do crime com a arma do crime, pode ser pressuposto o autor do fato e portanto sujeito à prisão em flagrante, desde que feita imediatamente. A voz de prisão e a condução para a delegacia para a lavratura do auto de prisão somente subsistem se, ao serem comunicadas ao juiz, em 24 horas, for decretada a prisão cautelar. Inexiste prisão sem que seja decretada pela Justiça. Se a Justiça não a decreta, a pessoa, mesmo presa em flagrante, estará em liberdade. Cabe ao delegado de polícia, única autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante, se limitar a redigir termo circunstanciado, nos crimes de pequeno potencial ofensivo, ou ainda registro de ocorrência.
A concessão de habeas corpus para oficiais de alta patente da Polícia Militar não mereceu os mesmos comentários que os deferidos a outras pessoas. Tanto jornalistas, policiais e Ministério Público não se cansaram de falar da liberdade deferida às pessoas que invadiram o Hotel Intercontinental, em São Conrado, depois de presas por quase 600 dias sem terem sido apresentadas para julgamento. Falou-se da soltura, mas não se falou da ilegalidade da manutenção daquela prisão. No caso da soltura do alto comando da PM, não tivemos os comentários de sempre. Bem melhor assim. A imprensa seria mais informativa se, ao invés de comentários, se limitasse à informação.
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A concessão de habeas corpus não expressa absolvição. Num Estado de Direito há procedimentalidade para as acusações. Sem regular processo, o que se tem é o linchamento, comum na mídia. O Brasil é o terceiro país que mais encarcera no mundo. Mas ilegalmente. Diz a Constituição que a prisão é exceção. A prisão provisória, banalizada por juízes sem concepção do sistema de direitos fundamentais, somente excepcionalmente teria cabimento. Contra tais arbitrariedades é que existe habeas corpus, remédio contra a ilegalidade da prisão, pouco importando se o acusado é policial, traficante, juiz, promotor de justiça ou trabalhador em outro ramo de atividade. Para sua concessão adequada, a Justiça deve analisá-lo com a venda nos olhos, sem escolher o destinatário.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito
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