Rio - Dispõe a Constituição em seu Art. 1º que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Consagra a soberania popular ao dispor que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Não só por meio de representantes o povo exerce o poder, mas pode tomá-lo em suas mãos e exercitá-lo por meio de plebiscito, referendo, iniciativa popular de lei, manifestações e outras formas que julgar adequadas.
Mas a sociedade se rege também por normas socialmente construídas. Apesar do princípio de que todos são iguais perante a lei, há nichos nos quais as relações são, socialmente, hierarquizadas com atribuição de papéis e tratamentos diferenciados de acordo com o status da pessoa. Tais características se percebem também nas instituições do Estado, criação da sociedade.
Mesmo no Judiciário tais hierarquizações, informais, são encontradas, ainda que legalmente não exigíveis. Mas é inconcebível que o Judiciário seja dividido em camadas hierarquizadas, pois implica afronta à própria independência judicial e liberdade de atuação dos juízes. Ainda que as instâncias originárias tenham incumbência de executar os julgados das instâncias revisoras, isto não é hierarquia. Mas dever legal de cumprimento de decisão judicial emanada de órgão diverso incumbido de revisão de julgados.
A reverência aos hierarcas alimenta sistema que demandaria ser reconstruído em bases democráticas. É preciso, portanto, romper com as reverências indevidas. Isto pode soar como desrespeito a tradicionalistas. Mas não é desrespeito; é apenas a afirmação da independência judicial e reconhecimento de que no âmbito do Judiciário todos são magistrados, com competências que não se sobrepõem nem se hierarquizam. Mas o rompimento somente virá com a educação e socialização para a igualdade, sem as reverências e rapapés das cortes oligárquicas.
Os posicionamentos pela independência judicial e dos valores indispensáveis para a construção de uma sociedade justa podem colocar o ator social em confronto com posicionamentos diversos. Mas, numa sociedade democrática, a diversidade precisa subsistir, e num tribunal as relações precisam ser civilizadas e pautadas pela racionalidade própria do Estado de Direito.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito