Por bferreira

Rio - Já é tarde, mas o Lamas, centenário café e restaurante carioca, ainda está aberto. Jorge, antigo garçom da brigada noturna, traz a conta e avisa que o Betinho me aguarda no táxi com o ar abaixo de zero. Dois personagens, parte de um exército de guerreiros, todos anônimos, nessa Cidade Maravilhosa, uma menina de 450 anos.

Com gestos próximos a um colecionador de figurinhas, carteei as carimbadas. Ir ao Capela e ser servido pelo Cícero vale o mesmo que subir a Floresta da Tijuca em qualquer guia turístico. O bolinho de aipim criado pela Alaíde, ainda do tempo do Bracarense, não entrava no bafobafo. Assim como o kibe no Largo do Machado, pesam tanto quanto uma visita ao Pão de Açúcar. Coisas do Rio de Janeiro. Salsichões do Bar Lagoa trocando olhares com o espelho d’água em frente a varanda do lugar. Famosos pelo mau humor, os funcionários riam escondidos da fama ainda mal acostumados a tanta beleza em volta, os pedalinhos, o bife à milanesa. Com a vassoura segura na cintura, num chão de esmeraldas, Renato Sorriso atravessa a Passarela do Samba e dança feito Fred Astaire entre os recicláveis da folia. Às vezes, é visto dedicado aos cavalos de uma praça tijucana. As crianças brincam, os adultos fazem selfie com o sorridente gari. As sardinhas na Miguel Couto sem culpas do defeso, as tulipas ‘rabo de peixe’ num chope servido no Petisco da Vila. Depois, na outra esquina, o bolinho de vagem feito pelo Seu Agostinho. São cromos num álbum de homenagens. Impossível, na lista de convidados, pular a página dos imortais Sadhan das Cocadas ou Altair, o Zé das Medalhas da Farmácia do Leme, na Prado Júnior. Nomes que abriram a mata dessa casa de homem branco, foz de rio de águas claras, tambores da Tia Ciata. Sinto falta do Albino Pinheiro e suas incontáveis calderetas no Bar Brasil gritando pelo Candonga no recuo da bateria, que a toalha lhe caiu dos ombros.

Tijolos dessa data redonda.

Walter Alfaiate no último agudo do Cantinho da Fofoca. Dona Zica,no mesmo tom, chorando com a Mangueira. Nesses anos de Cara de Cão, favela e sensuais ruas Pinto de Azevedo e Ceará, as pernas da vedete continuam torneadas. A cidade sangra na faca que rasga o estrangeiro, nos becos do Centro, na última roupa do americano distraído em Copacabana. Tiros a esmo, alvos inocentes, cápsulas no asfalto da bailarina que insiste no Canto dos Cisnes, o último grito antes da despedida. Eu, um Shubert suburbano, alcanço com os dedos o chantilly que sobra na cobertura do bolo. Sinto uma sensação de hóstia sagrada salivando o meu coração carioca. Velas acesas, mar e cera, parabéns pra você, cidade de encantos mil!

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