Rio - É a lei: aquele que “semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas está sujeito à pena de reclusão que vai de cinco a 15 anos”. Mesmo as ressalvas legais à semeadura e ao cultivo de “pequena quantidade” para consumo pessoal não têm evitado o encarceramento dos ‘growers’.
Em mais um episódio da guerra às drogas, ao perceber a presença de estranhos em casa, um professor universitário chamou a polícia. Lá, os policiais encontraram plantação artesanal de maconha. O ‘grower’ foi preso em flagrante por “tráfico”.
Não há racionalidade que justifique a prisão do professor, senão a lógica da guerra às drogas. Ocorre que o processo criminal estigmatiza profundamente, já que não se tem notícia da ‘má-fama’ de quem tenha em seu prontuário de motorista, por exemplo, uma centena de multas. Diferente, porém, de quem ostenta ao menos uma anotação na folha criminal, ainda que episódica e isolada. O professor é agora “traficante”. O processo suspende qualquer biografia, pouco importando a nobreza da missão profissional de quem se arrisca a cultivar maconha para consumo próprio.
À lei não importam os motivos que levam usuários ao cultivo caseiro. Presume-se a inserção do ‘grower’ no tráfico, e qualquer tentativa de escapar de tal mercado — desregrado e, por isso, violento — revolve, pela irracionalidade do sistema, a ciranda da “produção da droga”.
Diz-se que o Brasil não está preparado para quaisquer alternativas ao proibicionismo. Neste vácuo, matamos, morremos e desperdiçamos bilhões em recursos. Meio século de guerra e os resultados são desastrosos: o consumo não diminuiu, a oferta foi ampliada e as drogas se diversificaram.
O comércio e a permissão regrada do autocultivo de maconha, bem como outras políticas precisam ser pensados, discutidos e regulados. A criminalização pura e simples interdita a difusão de informação e afugenta debatedores e novas ideias. É preciso avançar. Ou continuaremos a submeter suspeitos de crimes não violentos à experiência traumática e estigmatizante do encarceramento. Tudo, claro, em nome da lei.
Ricardo André de Souza é defensor público e Rodrigo Baptista Pacheco é segundo subdefensor público-geral do Rio de Janeiro