Rio - Levantamento do Conselho Nacional de Justiça demonstra que no Judiciário tramitam 92 milhões de processos. É como se metade da população estivesse processando a outra. Dizem que há demandismo na sociedade e que a ampliação do acesso à Justiça e a instituição de novos direitos tornaram os brasileiros litigantes. Isto não corresponde à realidade. O mesmo estudo mostra que 95% dos processos têm como partes instituições financeiras (bancos e seguradoras), concessionários de serviços públicos (empresas de telefonia, de água, luz e transporte), lojas de departamento e o poder público. Cidadãos demandam entre si em apenas 5% dos processos.
O perfil dos principais litigantes não deixa dúvida de que se está fazendo uso predatório da Justiça, sobrecarregando o Judiciário e atentando contra a cidadania. Danos à população são causados pela má qualidade dos serviços e com o gasto dos recursos públicos para manutenção da máquina judiciária a fim de solucionar os conflitos de interesse decorrentes dos maus serviços prestados.
A privatização da telefonia, do transporte e da energia foi apresentada como solução para os problemas na prestação de tais serviços. O que o neoliberalismo apregoava era a incapacidade do Estado em geri-los, e se dizia que os recursos advindos seriam gastos na Saúde e Educação. Elio Gaspari chamou esse fenômeno de privataria. Entregues à gestão privada, os serviços não melhoraram, seus preços subiram acentuadamente e se traduzem em problema para o Judiciário.
A saúde segue o mesmo caminho. Os hospitais públicos têm sido entregues à gestão privada, ou seja, às Organizações Sociais, ou OSs, com maior custo para o poder público e lucro dos gestores de tais organizações. Promove-se o desmantelamento das carreiras da saúde, onde um médico ganha cerca de dois salários mínimos mensais por uma jornada de 24 horas semanais, desestimulando até mesmo jovens médicos a prestar concurso.
Os interesses que se opuseram à nacionalização do petróleo na década de 40 e 50, denunciados na carta-testamento de Getúlio Vargas, assacam contra a Petrobras e — aproveitando os desmandos de sucessivos governos — promovem campanha pela sua privatização. O ouro das Minas Gerais promoveu a Revolução Industrial na Inglaterra. A privatização do pré-sal e da Petrobras pode não se traduzir em solução para os problemas que enfrentamos. Mas pode ser fonte de enriquecimento dos interesseiros denunciados por Vargas.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito