Por bferreira

Rio - Esse negócio de carregar o fígado pra todo o lugar, feito um cachorro na coleira, me fez aumentar graus de esteatoses na relação com meus amigos de bar, no caso, os donos. Ouvi um gaiato, já faz tempo, gargantear que só bebia seis meses por ano. Na prática, mantinha a regularidade do dia sim, dia não. Tento aplicar essa tabuada na dieta etílica, mas o convívio extraclasse avança o mínimo período sabático, três proparoxítonas pra justificar as proibidas taças diárias. Ou tulipas. Ou copos de geleia, requeijão, cálices de extrato de tomate.

São bares isentos dos gráficos da Fundação Getúlio Vargas, das pesquisas de mercado,apontando uma tangente contrária. O Galeto Sat’s é um exemplo. Salão diferente do tradicional balcão em ‘U’, tamboretes girando em direção ao vizinho, a freguesia sobra pela calçada privilegiada na primeira reta da Barata Ribeiro. Sergio Rabello, capitão desse braseiro, acrescentou o encontro, a conversa nesse enredo. A pressa por triturar as minipartes do galináceo, todos de perfil no autorama de pratos, vinagretes e farofa, saiu do cardápio. Em pé ou sentados, o chope por ali desce até o amanhecer. Cristaleiras suspensas expõem uma centena de cachaças especiais, generosas doses que nem meus olhos, nem meu coração, sentem mais. Ambiente dos mais cariocas (já testemunhei no estabelecimento um campeonato de purrinha), apertado feito um Baixo de qualquer bairro, o carvão estala no espeto das linguiças.

Festeiro, Sergio me telefona. É seu aniversário, faz questão da presença. Pelas contas, a data coincidia com a minha abstinência. Ainda bem que rasguei a receita. Metade do Rio de Janeiro foi bater cabeça pra esse maravilhoso anfitrião.

Parênteses. Outro dia na Palace, minha churrascaria predileta, os garçons serviam galetos entre as opções do rodízio. Se tratava de um festival de comida carioca. Assim como sardinhas, nosso frango marítimo, são sabores da cidade. Sat’s, a ressurreição do bate­papo. Aconteceu uma reunião com a turma do Samba do Trabalhador no Momo, bar do talentoso Antonio Laffargue, o Toninho do bolinho de arroz, respeitado até no clã dos Troisgros. A freguesia cresceu. O chef respira graças à calçada, uma enseada, faixa de areia no mitológico Mar do Maracanã. Da cozinha, tamanho de um quitinete no Borel, o fogão industrial cospe labaredas que douram os hambúrgueres caseiros, novo destaque da casa. Mesas disputadas, meninas comendo jilós, marmanjos no maracujá, nem o Sobrenatural de Almeida explica os logaritmos pra merecido sucesso. Em tempo: eu havia prometido à um exausto anjo da guarda, guardar um providencial descanso. Mal sentei, Toninho traz o alentejano dos meus sonhos portugueses. O paladar saliva, o fígado balança o rabo. Samba com o parceiro Aldir Blanc, “...pra que pedir perdão, se eu não me perdoo”.

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