Por bferreira

Rio - Outro dia fui à Lapa e não perdi a viagem. Embaixo dos Arcos, na curva que apresenta a rua Joaquim Silva, o novo Bar Semente se destaca, música e casario, ambiente onde samba fez morada em meio século de Geraldo, anos de Ivan Milanez. Alta voltagem, o amigo e grande artista Moyseis Marques dá as cartas e prova que a tal malandragem não se perde jamais. É a Ópera da Lapa e suas árias urbanas.

O escritor Lucio Rangel, em suas memórias sobre a cidade, afirma que o sambista, a navalha no bolso, o tamanco arrastando, batiam ponto no Estácio ou na Praça XI. A Lapa era mais elegante e cara, mais Orestes Barbosa, Villa­Lobos e Di Cavalcanti. A Lapa devia ser New Orleans, comparava. Eu já cheguei com o Nova Capela reformado, onde o cabrito, mau ou bom, berra de todo jeito.

O Semente batizou o grupo que consagrou a cantora e parceira Teresa Cristina. Era o início de uma nova era, a ressurreição dos antigos sambas que atravessavam, feito um desfile de Carnaval, as ruas da região. Ainda convivi com restos de um habitat decadente. A Rua Mem de Sá ocupada por oficinas de reparo em refrigeração. Ar ou geladeira, temperatura bem abaixo dos decibéis atuais. Parede com o maravilhoso Bar Carioca da Gema funcionava um especialista em canos de descarga. Diferente das sandálias havaianas, roupas coloridas, diferentes sotaques desse mundo de Deus, carrancudos engraxados assoviavam pros travestis que rondavam a Lavradio.

Acredito em premonição. Quando Ari do Cavaco e Rubens criaram pro enredo da Portela o clássico ‘A Lapa em Três Tempos’, guardou uma etapa pra essa geração vitoriosa. Zanzei por ali muitas vezes. Bebi com Albino Pinheiro no Bar Brasil ainda nos anos 80. Toquei no Arcos da Velha, um bar construído literalmente embaixo do aqueduto. Sentei por ali, cadeiras de antiquário, balcão de birosca, rude microfones, acústicas emoções. Parafraseando Cartola, “fiz o que pude”. Volto à última noite. Moyseis canta um samba moderno feito em parceria com o Mauro Aguiar chamado ‘De Lupa na Lapa’. Fala da Lapa que não quer calar, e eu fico com essa frase pra dedicar a crônica de hoje ao amigo Lefê Almeida. Cabelos brancos de Hermínio, ocupou num mínimo canto cercado até o teto de móveis usados, uma mesa redonda de jacarandá, e, dali, dando uma rasteira no abandono, fundou um novo destino pra cultura carioca.

A juventude conheceu Cartola, Zé Keti. O Brasil descobriu um outro timbre musical, como diria Marcos Sacramento, outro “lapiano”, a modernidade da tradição. A vida segue. Nilze Carvalho, Pedro Miranda, Luiza Diónio. Escolho um verso do samba dividido com o anfitrião, Moyseis Marques, pra seguir de pés a Riachuelo: “Cantando na hora do adeus, canto pros amigos meus, saravá, meu canto é pra valer!”

E-mail: moaluz@ig.com.br

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