Por felipe.martins

Rio - Quando estive em Montevidéu, em janeiro, procurei Eduardo Galeano na sua mesa no centenário Café Brasilero, onde dava expediente todos os dias. O garçom disse que ele tinha estado lá na véspera. Mentira, quando voltei fiquei sabendo que já estava doente. Telefone? Não estava autorizado a dar. Foi o nosso último desencontro. Quando esteve recentemente no Brasil, eu estava longe. Nos conhecemos em Buenos Aires, quando lancei ‘Nadie es perfecto’ (‘Ninguém é perfeito’), em 1972. Lá e cá a coisa estava preta, quer dizer, afro-portenha e afro-brasileira. Lanusse e Médici, que o Diabo os tenha. Eduardo na revista ‘Crisis’, eu no ‘Pasquim’. Quino (que prefaciou o livro), Sábat, Fontanarossa, o uruguaio Tabaré (nenhum parentesco), Galeano e outros cartunistas compareceram. Pois é, o escritor se garantia também no traço. Mas sofria horrores, segundo contou numa entrevista, para fazer um cartum.

A folha em branco o apavorava. Havia um abismo entre o que imaginava e o que conseguia desenhar. O chefe de redação de ‘Crisis’, o poeta Juan Gelmann, também apareceu. A história da revista é curiosa: um milionário excêntrico, Frederico Vogelius, vendeu um quadro de Chagall para financiar o lançamento. Era uma revista cultural. Cada número publicava serigrafias inéditas. García Márquez, Ernesto Sábato, Cortázar, Mário Benedetti e Jorge Amado (timaço) colaboravam regularmente. Mas a barra pesou. Em 76, a revista fechou, depois de 40 números. Muitos, como Galeano, deram o fora da Argentina para não serem jogados no mar. Já no Brasil padecíamos o Milagre Brasileiro: Médici mandou buscar em Portugal os ossos de Dom Pedro I para os festejos dos 150 anos da Independência (risos). Um velório de cinco meses através do Brasil; nem o Imperador escapou da tortura.

Enquanto isso, desapareciam outros ossos, os dos mortos pela ditadura. Bolsonaro (olha ele de volta, agora com crias) soltava rojões para festejar outro aniversário da Redentora. Em abril de 79, exilado na Espanha, Galeano mandou para o ‘Pasca’ 512 um artigo em que dá uma geral nas repúblicas e republiquetas sul-americanas. Do Brasil, conta que um professor da USP, Boris Schnaiderman, foi levado a uma ‘prisão especial’e interrogado sobre suas conexões com um russo, Serguei Essenin (rima com Stalin), mencionado pelo professor numa conversa telefônica com um aluno. Essenin foi um poeta, amigo de Maiakowski e casado com a lendária Isadora Duncan. Ele se matou aos 40 anos, em 1925.

Você pode gostar