Por felipe.martins

Rio - Pelo telefone, o cunhado ausente da feijoada negociava uma prorrogação, a possibilidade de que um tanto da comida fosse reservado para ele. Do outro lado, a anfitriã abriu o riso de teclado e rebateu o pedido como se num voleio, bola que nem chegou a quicar na grande área:

— Vai dar não. Aqui em casa, missa só de corpo presente.

Papo reto, pá-pum, bola de um lado, goleiro do outro — gol de placa, sem direito a recurso, réplica, tapetão, efeito suspensivo, delação premiada ou silêncio comprado. Resposta que desarma o interlocutor, humor que, sacado com rapidez de mocinho de faroeste ou de ninja de filme asiático, ameniza dramas, relativiza muitas e tantas durezas. Como aquele taxista que, após revelar morar perto de uma boca de fumo, tentava tranquilizar o assustado passageiro.

- Tem problema não, doutor. É uma boca pequena, uma boquinha banguela.

Ou como o outro taxista que, pressionado por um motorista que, metro a metro, insistia em fechar seu caminho e a lhe negar passagem, abriu o vidro do carro e disparou:

— Ô mermão, você quer me tirar pra dançar?

Bailemos, pois. Comemoremos a resposta que se impõe como verso de partideiro, drible de Garrincha, paradinha de bateria. Patrimônios imaterais cariocas que impedem uma rendição absoluta à verborragia das frases feitas, ao lugar-comum dos operadores de telemarketing, às promessas de governantes, à mesmice dos discursos em casas legislativas. Mesmo estas foram palco de debates mais divertidos. Como na vez em que, comparado a um purgante, o então deputado Carlos Lacerda revidou: “E Vossa Excelência é o resultado do purgante.” Em outra ocasião, chamado de “ladrão da honra alheia”, o mesmo Lacerda fulminou: “Então, não tenho o que roubar de Vossa Excelência.” A direita brasileira já foi mais talentosa e divertida; a esquerda, por sua vez, podia se preocupar mais em atacar do que em se defender.

Em meio a tantos profetas e verdades absolutas, melhor é cultivar o que torna a vida menos dura e mais suportável, frases e jeitos que relativizam poderes que se julgam incontestáveis. Na hora em que professor, como cantava Adoniran Barbosa, vira táuba de tiro ao Álvaro, e dedo-duro ganha medalha de honra ao mérito, levanto um brinde aos que ressaltam a nudez do rei, ao anônimo que, ao ouvir o então governador Ademar de Barros gritar que no bolso de sua calça não havia dinheiro do povo, retrucou: “Calça nova, né, Ademar?”

E-mail: fernando.molica@odia.com.br

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