Por paulo.gomes

Rio - Em março, o secretário José Mariano Beltrame afirmara que o inimigo número um no combate ao crime no Rio era o fuzil. A julgar pelos mais recentes casos de violência, a visão do secretário abrange apenas parte de problema muito maior. O ataque a um idoso em um ponto de ônibus lotado na Rio Branco, a morte do ciclista na Lagoa, o roubo à turista chilena na Glória e a horda de menores assaltando a qualquer hora no Aterro têm em comum outro instrumento de ataque: a faca. Num raciocínio simplista, superficial e aligeirado, poderia estar aí identificado o novo inimigo a ser combatido, como, aliás, já sugerem enquetes com indisfarçável flerte sensacionalista e até a OAB. É, porém, mais um erro crasso.

Combater a faca, o instrumento de ataque agora em evidência, repete a lógica — no caso, a falta dela — vista com o desarmamento, que retirou as armas da sociedade civil, mas, como reconhece Beltrame, manteve o fuzil (e tudo mais que queiram) com os criminosos. Por que seria diferente agora? Se é para eleger responsáveis, esqueça-se a faca. A culpa não é dela, como nunca foi da arma de fogo, seja o revólver que defendia o cidadão, seja o fuzil do traficante. O culpado é quem puxa o gatilho, desfere a facada, atira a pedra ou espanca a vítima. É o agente que precisa ser combatido, não o meio.

O traço comum a qualquer desses ataques se estabelece num conceito que atua como cúmplice dos agressores: a impunidade. É ela que aflora quando se esclarecem menos de 10% dos nossos quase 60 mil homicídios por ano, a mesma que permite que um menor suspeito de assassinato tenha 15 passagens por casas de acolhimento, de onde sempre saiu em 15 dias. É igualmente a que concede a criminosos inesgotável série de benefícios, como indultos, ‘saidões’ e afrouxamentos de regime, utilizados para reincidir no crime em mais de 75% dos casos.

Juntando impunidade a um modelo estrutural firmado na premissa de que a sociedade deve ser o mais frágil possível, sem qualquer chance de defesa e na exclusiva dependência de forças policiais deficitárias, o resultado não pode ser outro além do caos. Seguimos numa maquete macabra, manipulados como bonecos indefesos à espera do próximo ataque, contra o qual nada parece poder ser feito. Um sistema autofágico, deteriorando a velocidade incalculável, enquanto se buscam factoides para disfarçar as ruínas que já nos cercam. E o que virá depois das facas?

Fabricio Rebelo é pesquisador em Segurança

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