Por bferreira

Rio - No frenesi autocomemorativo dos seus 50 anos no ar, a Globo não esconde que a cereja do bolo é um programa que ela acha fantástico. No domingo passado nos deu uma aula demonstrando as vantagens da faca sobre as armas ditas de fogo. Admito que foi um trabalho altamente profissional, com consultoria qualificada em todos os aspectos: econômico, prático e penal. Por exemplo, faca sai muito mais em conta que revólver. Não precisa de porte de arma nem de farta documentação para ser comprada em vários lugares: lojas de conveniência, de ferragens, de utensílios domésticos, mercados, cutelarias, feiras, etc.

Aliás, sugere o locutor, nem precisa ser comprada: pode ser discretamente surrupiada em qualquer boteco ou restaurante sem maiores consequências. E acentua que, se a pessoa é apanhada, digamos, numa blitz, com uma faca no bolso, basta dar uma desculpa qualquer (tipo “estou levando para comer uma quentinha no escritório”). A coisa toda muda se carrega, sem licença, um trabuco na cintura. Vai, no mínimo, parar no distrito policial mais próximo. Se tiver sorte, será autuado por porte ilegal de arma, pagará uma multa, levará um esporro do delegado e terá, suponho, a arma apreendida. Outra vantagem da maior importância, lembra com pertinência o cara da tevê, é a portabilidade: é difícil passar despercebido com uma arma de fogo, mesmo uma de pequeno calibre. Amarrada na perna ou num coldre debaixo do braço, nunca deixa de chamar a atenção pelo volume. Não é preciso ser camelô profissional para enumerar a praticidade de facas, navalhas, canivetes, estiletes e punhais na área criminal: após o crime, são facilmente descartáveis. ‘Esquecidas’ na mesa de um bar, jogadas discretamente na lixeira ou largadas num bueiro.

É muito mais fácil eliminar impressões digitais, basta um lenço ou uma flanela. Não faz barulho e, também no crime, o silêncio é de ouro. E, fator mais importante: faca não descarrega, está sempre pronta para usar. Não precisa de munição, cara e difícil de encontrar. Às vezes só pode ser comprada no ‘mercado informal’ (ou seja, de algum bandido). Herdei do meu pai uma pistola Mauser com uma caixa de balas, nem sabia que ele tinha essa arma escondida. Dei para um amigo depois que Hugo Bidet — que dormia com uma pistola debaixo do travesseiro (nunca soube o motivo) — meteu uma bala na cabeça numa crise de depressão pós-alcoólica. Termino voltando aos 50 anos da Globo: eu não sabia que o canal foi um herói da resistência contra a censura da ditadura.

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