Por bferreira

Rio - Algumas músicas marcaram os meus primeiros dias de violão. Umas delas era ‘O Bem Amado’, da dupla Toquinho e Vinícius, a outra, acordes de alegria, se chamava ‘Lugar Comum’, uma maravilha de Gilberto Gil e João Donato. Como lembrar o passado recupera o perfume da sua juventude, senti o Leite de Rosas, aguado, mas marcante de uma inocente vaidade. Confesso, essa imagem, congelada no meu tempo de vida, tem 40 anos.

Por esses dias subo o Jardim Botânico, lado direito de quem vai, mata atlântica fazendo sombra, bem no rodapé do Corcovado, pra me encontrar com a maravilhosa cantora Leila Pinheiro. Ela mora ali, no verde das canções. Generosa, Leila quer ensinar a andar algumas músicas que tenho guardadas num baú de falsos tesouros. Novas e inusitadas parcerias, versos de outras mãos, sucesso na rádio do teu coração.

Nosso abraço é demorado. Nos conhecemos em 1984 quando fui de violão acompanhá-la no Botanic, um bar na Lopes Quintas. Logo depois ela gravou ‘O Mar no Maracanã’, primeiro registro em disco do meu trabalho com Aldlr Blanc. Cena sugestiva, as nuvens correm na tela, o tempo passa, a lua míngua e cresce em noites alternadas até chegar a primavera que nos visita. No estúdio da casa (casa dela) o piano enobrece a sala. Duas cadeiras fecham o cenário da música. Os encontros me emocionam. Essa semana o peito apertou quando, sorriso aberto, boné e camisa estampada, uma entidade chamada João Donato bateu à porta. Minhas dopaminas se renovam, as veias, artérias e safenas, bombeando sangue pra eu suportar tanta admiração.

Temos poucas músicas, juntos. Leila descobriu um bossa-nossa chamada ‘Assovia Passarim’. João oferece a sonoridade das ‘rãs’, de ‘amazonas’, de ‘sambou, sambou’, trazendo asas pra novos horizontes. Não falta mais nada. Donato é do Acre, Leila, do Pará, perfumes do Brasil, açaí, tacacá, patchouli. Eu, carioca, senti o odor dos meus 15 anos, no Méier, meu ‘lugar comum’.

Outra tarde, bem recente, o tapete vermelho foi estendido pra Zélia Duncam, carisma e inspiração à flor da pele. Zélia tem um timbre único, se reconhece no início da clave. Fizemos uma marcha-rancho, ritmo de quarta-feira de cinzas, de abre-alas, de cidade mulher. Em duo Zélia e Leila, a melodia pousa no galho que dá pé pro Cristo Redentor, uma oração em quiálteras escrita com a delicadeza dessas vozes inesquecíveis. Uma luz azul acende no alto da pedra.

O perlage do espumante borbulha na taça. Vivo esses dias pra respirar a eternidade.

E-mail: moaluz@ig.com.br

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