Por bianca.lobianco

Rio - A calorosa recepção carioca a José ‘Pepe’ Mujica revela que parte da juventude anda buscando seu norte mais ao sul, lá no Uruguai. Na Uerj, o ex-presidente ocupou um lugar antes reservado a colegas brasileiros que, como ele, ascenderam na política, mas hoje se veem obrigados a explicar o que fizeram ou, supostamente, deixaram fazer.

Para chegar ao poder, o PT procurou demonstrar que saberia se comportar, usaria bem os talheres à mesa. Na Carta aos Brasileiros, prometeu repeito às regras capitalistas, jurou que a estrela que assustava muita gente não seria mais assim tão vemelha. Ao mesmo tempo, o partido deixou de lado causas abraçadas por setores da esquerda, como a descriminalização do aborto e das drogas, e subiu no púlpito de setores religiosos rígidos na cobrança da moral individual e pródigos na busca do dinheiro público.

Lula levou para o Planalto a experiência do movimento sindical, a dança de avanços e concessões que marca as disputas entre patrões e empregados. Em seus governos, empresas lucraram, trabalhadores ganharam mais e quem estava fora do jogo recebeu, via Bolsa Família, o direito de comer.

As reeleições do projeto petista mostram o sucesso de seus passos. Mas, para subir, o PT imitou a Conceição de Cauby Peixoto, e desceu ao submundo da política brasileira, instituição oleosa que lubrifica apoio no Congresso, contratos suspeitos, empréstimos subsidiados e generosas verbas de campanha.

Não só desceu: no Mensalão, aprimorou o esquema criado pelo PSDB mineiro, um raro e significativo exemplo de colaboração entre tucanos e petistas. No Petrolão, o partido demonstrou sua capacidade de sistematizar e aperfeiçoar a tradicional prática de assalto aos cofres de repartições e de estatais.

Aos poucos, os fins deixaram de justificar os meios, estes passaram a ser o objetivo final de muita gente abrigada na antiga ‘UDN de macacão’ — apelido dado ao PT por Leonel Brizola, que ironizava a ênfase do partido na pregação da honestidade nos negócios públicos.

De tanto se moldar, o PT parece ter perdido sua forma original. Não é por acaso que, diante da crise de sua utopia e do fortalecimento da direita, parte do eleitorado de esquerda encontre a renovação num homem de 80 anos, um ex-guerrilheiro que, no governo, não se deixou seduzir pelo brilho dos palácios, manteve uma vida humilde, honrou as propostas da frente que o elegeu, rompeu com a hipocrisia que admite apenas o consumo clandestino da maconha e, importante, não roubou nem, ao que parece, deixou roubar.

E-mail: fernando.molica@odia.com.br

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