Por bferreira

Rio - Um sujeito que escreve crônicas semanais devia ser morador de rua, ajoelhado às novidades. Mesmo assim, às vezes, um ascensorista de calçada, você escuta o assunto pela metade. O desfecho ficou pra próxima esquina. Outro dia, no táxi, reparo o motorista em lágrimas. A corrida era pequena, circuito da cachaça, da Adega Pérola pro Sat’s, em Copacabana. Mostro solidariedade, ofereço o ombro feito amigo de balcão, e ele resolve desabafar. Mal abriu a boca, dar com a língua nos próprios dentes, chegamos ao destino final. Não hesitei: “Desvia pro Leblon, Bracarense! Essa história me interessa.”

O mesmo acontece com boatos. Na Tijuca, quase Praça da Bandeira, corre a fofoca que um cozinheiro, em troca da redução da carga horária no forno quente, dedurou pro restaurante rival a receita das tradicionais empadas do bairro. Mais adiante, duas ruas depois, um tira-gosto imortalizado pela chefe Katia Barbosa, do Aconchego Carioca, o bolinho de feijoada, ultrapassou fronteiras. Tão famoso quanto um quibe, um risole de camarão, o tal salgado, inovador, carioca, vem sendo imitado por aí feito um cover dos Beatles. Verdade pura, já fui apresentado a três ‘katias’ por esse subúrbio de Deus. Uma delas, loira, me garantiu ter inventado o recheio desfiando o paio que sobrou de um samba na Portela.

Dúvidas de contrato, os boatos assinam em alguns estabelecimentos, proprietários improváveis. Alguns mendigos de praça, em adiantado caso de demência, são apresentados à distância como ex-milionários, donos de fábricas ultrapassadas, sabão português, papel carbono, patente da LiquiPaper. Andam, zumbis, entre as sombras dos oitis urbanos, desfocando a vida no encosto de um banco descascado pelo sol do meio-dia.Os boatos desconhecem a compostura. Basta um porre exagerado no bar da vizinhança pro gerente apostar no fim do casamento do escorneado da mesa em frente. Inspirado em Nelson Rodrigues, voz característica, mas com o lápis na orelha, dispara: “Traído pelo porteiro!”

Meu amigo Baiano, rei das novidades, conta que foi recebido por uma dupla de mórmons, vestidos a caráter e cheios de boa vontade: “O senhor já ouviu falar da nossa doutrina? Sim, sim! Mas em detalhes, assim, cara a cara. Bem, nós somos da Igreja dos Últimos Dias, e...Pera, aí. Agora que o negócio está acabando vocês vêm me procurar? Nos últimos dias?”

Dito pelo não dito, o fato se espalhou e muitos fiéis debandaram, monogâmicos, pra outras tendas espíritas da Baixada Fluminense. Quando um boato ganha força, sai de baixo. Desfila na escola de samba, apita na decisão, sai do armário no Carnaval. Eu ando cismado que o mundo vai acabar. Por esses dias, achei ter visto o sol nascer antes da madrugada, mas era a superlua clareando a batucada. Precavido, nem beijei na boca de quem não devia. Acontece que, estampado o jornal da manhã, não afastei de todo, a ideia.

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