Rio - Em 1969 foi promulgada a Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José da Costa Rica, da qual o Brasil foi signatário desde a primeira hora. Mesmo sob o AI-5 editado em 1968, que mergulhou o país no obscurantismo, o Brasil subscreveu o texto. A assinatura de tratado internacional expressa a intenção de aderir a ele e somente se transforma em lei após sua ratificação. O pacto somente foi ratificado em 1992, passando a ser lei interna, exigível por todo cidadão.
Aquele pacto assegura a liberdade de pensamento e de sua expressão. Durante a ditadura empresarial-militar, Millôr Fernandes dizia que a liberdade de pensamento era apenas para pensar, dada a vigência da censura e consequências legais ou extralegais para quem ousasse se manifestar. O Brasil é o país das contradições. Acostumamos a firmar tratados e editar leis sem os cumprir. Assim foi com a promulgação da lei proibindo o comércio de escravos em 1831, “para inglês ver”. A abolição da escravatura somente se efetivou em 1888. E por isso o Brasil está em vias de ser processado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por violação aos tratados subscritos e ratificados.
Em 2004 a Relatoria para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos se manifestou sobre a existência de leis que estabelecem proteção aos funcionários públicos não assegurada aos cidadãos, dentre elas a que define o crime de desacato. Tal crime impõe à sociedade uma reverência aos agentes públicos, tal como se ainda vivêssemos numa ‘Sociedade de Corte’, hierarquizada, na qual agentes do Estado gozam de privilegiado modo de tratamento, em desigualdade com os cidadãos.
O direito de examinar e criticar a atuação dos funcionários públicos decorre da democracia, da igualdade de todos perante a lei e da soberania popular. Os direitos são construção da sociedade e os agentes públicos são por ela instituídos. Não é o contrário. Não são os agentes públicos que constroem os direitos para os cidadãos. Já é hora de a sociedade colocar autoridades e seus agentes em seus devidos lugares, a começar pelo desconhecimento de vigência do crime de desacato, que sempre traz consigo um abuso de autoridade.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito