Por bferreira

Rio - No ano passado, durante uma aula sobre o carnaval e as artimanhas cariocas de sacralizar o profano e profanar o sagrado, fiz uma traquinagem. Resolvi não usar os conceitos de apolíneo e dionisíaco para falar de impulsos fundamentais, ordem e caos, inversão e controle, unidade e multiplicidade, conforme o texto discutido sugeria. Mandei Dionísio e Apolo para o banco de reservas e coloquei Exu e Oxalufã no jogo: a gira carioca é a da tensão entre exusíaco e oxalufânico. A vitalidade de Exu e a contenção de Oxalufã entraram em campo.

Oxalufã é o orixá de paciência, método, ordem, retidão e cumprimento dos afazeres. Tudo que é contrário a isso representa a negatividade que pode prejudicar seus filhos. Diz um mito de Ifá que, quando se desviou da missão a ser executada e tomou um porre de vinho de palma, Oxalufã quase comprometeu a tarefa da criação do mundo. Em outra ocasião, quando também tentou agir por instinto e teimosia, não seguindo a recomendação do babalaô, Oxalufã foi preso ao fazer uma viagem ao reino de Xangô, acusado injustamente pelo furto de um cavalo. Curtiu cana de sete anos.

A dança de Oxalufã é solene, marcada pelo ritmo lento e constante dos atabaques. Apoiado em um cajado, coberto por um pano branco, ele exige respeito e é reverenciado por todos os orixás. Seus filhos evitam bebidas destiladas e são submetidos a uma série de tabus alimentares que envolvem, por exemplo, os alimentos que levam dendê. Oxalufã é, enfim, o maestro de solenidades, que não toca sem partitura e não quer firulas que driblem o rigor bonito e sério do que vai escrito na pauta.

Já Exu vive no riscado, na fresta, na casca da lima, malandreando no sincopado, desconversando, quebrando o padrão, subvertendo no arrepiado do tempo, gingando capoeiras no fio da navalha. Exu é o menino que colheu o mel dos gafanhotos, mamou o leite das donzelas e acertou o pássaro ontem com a pedra que atirou hoje; é o subversivo que quando está sentado bate com a cabeça no teto e em pé não atinge sequer a altura do fogareiro. Exu é chegado aos fuzuês da rua.

Conheço doutores brasileiros incapazes de entender as possibilidades que outros olhares, fora do cânone, apresentam para as interpretações e virações dos mundos. Nessa eu não caio. Para falar da rua, sou mais chegado aos saberes que a própria rua produz com sofisticação e dinamismo. O Rio de Janeiro e os seus habitantes bailam, afinal, na tensão entre o caminho reto de Oxalufã e a encruzilhada de Exu.

E-mail: luizantoniosimas67@gmail.com

Você pode gostar