Por bferreira

Rio - Ouço dizer que começaram os preparativos para o réveillon olímpico de 2016. O hábito carioca de se comemorar a virada na praia virou uma tradição mundialmente conhecida e influenciou várias cidades a fazer a mesma coisa. Nesses momentos é importante lembrar que devemos esse costume aos umbandistas, que durante muitos anos ocupavam sozinhos as areias para louvar Iemanjá. A iniciativa de se fazer a festa na praia de Copacabana partiu de Tancredo da Silva Pinto, o Tata Tancredo, líder religioso, sambista (foi fundador da Deixa Falar do Estácio) e personagem fundamental da cultura carioca.

Era bonito ver a orla ocupada pelos terreiros e a noite iluminada por velas. O furdunço não excluía ninguém. Conheço ateus, católicas, crentes, budistas, flamenguistas, tricolores, bacalhaus e botafoguenses que, por via das dúvidas, garantiam ano bom recebendo passes de caboclos e pretas velhas nas areias, com direito a cocares, charutos e sidra de macieira. E não tinha rede social para a pessoa fazer selfie com entidade e tirar onda de alternativa, como vi dia desses. O babado rolava na fé.

Hoje a confraternização nas areias virou atração turística, atrai gente de tudo quanto é canto, gera divisas e garante a ocupação da rede hoteleira. Em contrapartida, os atabaques foram silenciados e os terreiros buscaram alternativas para continuar batendo. Os shows de roqueiros, sambistas, sertanejos, rappers, DJs de música eletrônica, revelações adolescentes, cantoras baianas, blocos carnavalescos descolados e o escambau, além de transformar a festa em um verdadeiro sarapatel sonoro, calaram os tambores rituais. A elitização do furdunço é evidente nos espaços reservados nas areias, controlados por grupos privados, hotéis, quiosques e similares.

A festa, que era um potente evento da cultura, anda sucumbindo aos ditames da cultura do evento, aquela que espetaculariza tudo como simulacro. Tem até pacote turístico que já inclui o barquinho de Iemanjá e revista de celebridade que monta cercadinho com jogo de búzios fashion. Curioso é que ninguém brinca de simulação da Missa do Galo.

Como gosto de causas perdidas, boto a boca no trombone para que a tradição do fim de ano não encontre no poder público um agente legitimador de interesses privados, sob o falso argumento da comemoração para todos que, cada vez mais, perde a vitalidade que a caracterizou. E que a cidade do Rio de Janeiro e os cariocas reconheçam a dívida cultural imensa que temos com os que bateram tambor na fresta para inventar a festa.

E-mail: luizantoniosimas67@gmail.com

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