Por bferreira

Rio - Estou em Lisboa, Portugal. Depois de cinco dias em turismo, percebo o porquê de não ouvir mais anedotas sobre portugueses. A piada, somos nós. Em cada paralelepípedo da velha cidade cria-se a sensação de estar figurante na saga ‘De Volta para o Futuro’ sobre os quadris do Rio de Janeiro. Aqui, alfacinha, os sítios preservaram o casario, azulejos e grades com seus alpendres floridos. Estão todos orgulhosos com as ruas que vivem: Rua do Alecrim, Beco dos Foucinhos.

Procuro por uma loja de conservas em latas, sardinhas, mexilhões, e alguém me indica a Rua dos Bacalhoeiros, na Estação do Terreiro do Paço. Feito a película, tropeço no Beco dos Barbeiros, carioca, entre a Rua do Carmo e 1° de Março. A boca saliva lembrando no cardápio do escondidinho, a cabeça de peixe, ensopada. Giro no avesso de Niterói, a Praça XV. Eu devia ter 25 anos, por aí, minha madrinha Beth Carvalho, exuberante, timbre único, sentada numa das barracas em frente ao antigo mercado, e todos nós à volta de uma pescadinha frita num óleo proibido ardendo na negra tina improvisada no canto da passagem.

Volto ao Mediterrâneo. Me apoio no balcão de um pequeno bar no caminho pra Torre de Belém. Uma caneca de vinho, e pra comer, escrito a giz na tabuleta: 'Carapaus'. Peço, aguando pelos lados da boca, uma porção, e o gerente, argumenta: "Senhore, tens que esperar um pouco. Os carapauzinhos que temos aqui é sobra de ontem, já já o patrão chega com os frescos". Argumentei que, pescado ontem, pra mim ainda estaria vivo! Nada. Um poeta escreveu que “Lisboa é um apelo do mar”. Assino embaixo.

Sobre o labirinto de becos de Alfama, o bairro mais próximo do Castelo de São Jorge, me transporto a Santa Teresa. Morei dois anos no Largo dos Guimarães. Os bondes, aos tropeços, roçavam os trilhos antes da curva na Paschoal Carlos Magno, provocando aplausos dos que bebiam no Bar do Mineiro. Da minha janela, um sobrado característico, reparo nos telhados vizinhos. O passado serena sobre os pequenos prédios. Me sinto no Elevador de Santa Justa contemplando o Chiado, a Rua dos Sapateiros.

Penso na minha cidade. No Morro da Conceição, céu da Gamboa, do Santo Cristo, existem dois logradouros que me encantam pelos nomes: Rua do Jogo da Bola e Travessa do Sereno. Aqui, na terrinha da minha avó Maria, brilham as placas, orgulhosas letras cravadas nas lajotas de cada esquina: Rua do Grilo, Rua dos Cegos, das Farinhas, Travessa Fala-Só.

Do mesmo jeito que recuperamos as nossas Ouvidor, Mercado, Rua do Rosário, sugiro, feito o Manuel Bandeira em seu poema ‘Elegia Inútil’, resgatar as Rua Larga e a Bela da Princesa. Honrar os Becos dos Ferreiros, dos Latoeiros, manter as origens da nossa história. Nossa cidade tem lastro, tem ladeiras e recordações. O português ri dos meus medos. Barba por fazer, com olhar de bagaceira traçada com vinho do Porto, e escancara: “Em Portugal ninguém se perde!” Vivo pra ouvir o mesmo do Rio de Janeiro.

E-mail: moaluz@ig.com.br

Você pode gostar