Por bferreira

Rio - Segunda é Dia de Finados. Será, no futuro, o dia de cada um de nós. Mas quem encara este destino inelutável? Entre crianças de 6 anos convidadas a escrever cartas a Deus, uma delas propôs: “Deus, todo dia nasce muita gente e morre muita gente. O Senhor deveria proibir nascimentos e mortes e permitir a quem já nasceu viver para sempre”.

Faz sentido? Seriam evitados a superpopulação e o sofrimento de morrer ou ver desaparecer entes queridos. Mas quem garante que, privada da certeza de finitude, essa raça de sobre-humanos não tornaria a nossa convivência uma experiência infernal? Simone de Beauvoir deu a resposta no romance ‘Todos os homens são mortais’.

É esse ideal de infinitude que fomenta a cultura da imortalidade disseminada pela promissora indústria do elixir da eterna juventude: cosméticos, academias de ginástica, livros de autoajuda, cuidados nutricionais, drágeas e produtos naturais que prometem saúde e longevidade. Nada disso é contraindicado, exceto quando levado à obsessão, que produz anorexia, ou à atitude ridícula de velhos, que se envergonham das próprias rugas e se fantasiam de adolescentes.

Outrora, a morte era vista como um fenômeno natural, coroamento inevitável da existência. Hoje, clandestinizou-se nessa sociedade que incensa a cultura do prolongamento indefinido da vida, da juventude perene, da glamourização da estética corporal. Nem sequer se tem mais o direito de ficar velho. Nós, idosos, somos tratados por eufemismos que visam a aplacar a “vergonha” da velhice: terceira idade, melhor idade. A usar eufemismos, sugiro o mais realista: turma da eterna idade, já que estamos próximos dela.

No tempo de meus avós morria-se em casa, cercado de parentes, amigos e objetos que constituíam a razão de ser da existência do enfermo. Hoje, morre-se no hospital, lugar estranho, cuidado por profissionais cujos nomes ignoramos.

As religiões têm respostas às situações-limite da condição humana, em especial a morte. Isso é um consolo e uma esperança para todos os que têm fé. Fora do âmbito religioso, entretanto, é um acidente, não uma decorrência normal da condição humana.

A morte nos reduz ao verdadeiro eu, sem os adornos de condição social, nome de família, títulos, propriedades ou conta bancária.

Padre Vieira advertia no sermão do 1º domingo do Advento, em 1650: “No nascimento, somos filhos de nossos pais; na ressurreição, seremos filhos de nossas obras.”

Freí Betto é autor de ‘A obra do Artista – uma visão holística do Universo’ (José Olympio)

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