Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - A boa-vontade com que a mídia tratou a Samarco no desastre ambiental que aniquilou a vida em todo o Rio Doce não se repetiu diante da medida positiva tomada pelo governo federal para minimizar o sofrimento dos trabalhadores atingidos. Pouco se falou da irresponsabilidade da empresa que exporta os nossos minerais, como commodities, a preço vil, para nos vender posteriormente, a preço gordo, os produtos com eles fabricados. Ao contrário, na primeira semana o noticiário foi sobre os trens da MRS, empresa transportadora de minério da qual a Vale também faz parte. Foi noticiada a travessia de pedestres que cruzam as linhas férreas em áreas urbanas, sem destaque para a falta de sinalização ou funcionário para controle da travessia.
A presidenta Dilma editou o Decreto 8.572, que considera desastre natural o rompimento de barragem, para efeitos do saque do FGTS. Tão só para este fim. Natural é tudo que ocorre na natureza. O rompimento de barragem é fato natural, ainda que possa ser causado por conduta humana a ser apurada e responsabilizada. A Lei 8.036 regulamenta o FGTS e diz que o valor pode ser sacado pelo trabalhador quando houver necessidade pessoal, cuja urgência ou gravidade decorra de desastre natural. O saque emergencial do FGTS para recompor a vida não afasta o direito de cobrar o prejuízo da empresa causadora do dano.
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Uma procuradora do Ministério Público Federal, em crítica infundada ao decreto, disse que a Samarco poderia usá-lo para se eximir de sua responsabilidade civil e penal por ter sido considerado desastre natural. É ignorância ou má-fé. Juridicamente, os bens podem ser classificados pela sua própria natureza ou por consideração legal. Uma floresta de eucalipto destinada ao corte futuro é considerada bem móvel por antecipação. E só para isto. Também não há caso fortuito ou de força maior. Fortuito é o imprevisível, e força maior é o que, embora previsível, é irresistível. A erupção de um vulcão, embora previsível, é invencível. Não é o caso de uma barragem construída por uma mineradora. O evento fora previsto, e era possível evitar a tragédia.
O saque do FGTS pelos trabalhadores que tiveram suas vidas arruinadas pelo tsunami da Samarco é antes de tudo medida humanitária que há de ser louvada. Isto não isenta a empresa de sua responsabilidade.
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João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito