Por paulo.gomes
Rio - Por que desejar Feliz Ano Novo se há tanta infelicidade à volta? Será feliz o próximo ano para sírios e iraquianos, e os soldados usamericanos sob ordens de um presidente que qualifica de “justas” guerras de ocupações genocidas? Serão felizes as crianças africanas reduzidas a esqueletos de olhos perplexos pela tortura da fome?
O que é felicidade? Segundo Aristóteles, é o bem maior a que todos almejamos. “Mesmo ao praticarmos o mal”, acrescentou meu confrade Tomás de Aquino. De Hitler a Madre Teresa de Calcutá, todos buscam, em tudo o que fazem, a própria felicidade.
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Porém, a felicidade não figura nas ofertas do mercado. Não se pode comprá-la, há que conquistá-la. A publicidade empenha-se em nos convencer de que ela resulta da soma de prazeres. Estimulado pela propaganda, nosso desejo exila-se nos objetos de consumo: vestir esta grife, possuir aquele carro, morar neste condomínio de luxo.
Desejar Feliz Ano Novo é esperar que o outro seja feliz. E desejar que também faça os outros felizes. O pecuarista que não banca assistência médico-hospitalar para seus peões e gasta fortunas com veterinários para tratar seu rebanho espera que o próximo tenha também um Feliz Ano Novo?
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Na contramão do consumismo, Jung dava razão a São João da Cruz: o desejo busca, sim, a felicidade, “a vida em plenitude” manifestada por Jesus, mas ela não se encontra nos bens finitos ofertados pelo mercado. Como enfatizava o professor Milton Santos, acha-se nos bens infinitos.
Porém, ao mergulhar nas obscuras sendas da vida interior, guiados pela fé e/ou pela meditação, tropeçamos nas próprias emoções, em especial naquelas que traem a nossa razão: somos ofensivos com quem amamos; rudes com quem nos trata com delicadeza; egoístas com que nos é generoso; prepotentes com quem nos acolhe em solícita gratuidade. Se conseguimos mergulhar mais fundo, então nos aproximamos da fonte da felicidade, escondida atrás do ego.
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Feliz Ano Novo é, portanto, um voto de busca espiritual. Claro, muitas outras conquistas podem nos dar prazer e alegre sensação de vitória. Mas não são o suficiente para nos fazer felizes. Melhor seria um mundo sem miséria, desigualdade, degradação ambiental, políticos corruptos!
A diferença é que estaremos conscientes de que, para se ter um Feliz Ano Novo, é preciso abraçar um processo ressurrecional: engravidar de si mesmo, virar-se pelo avesso e deixar o pessimismo para dias melhores.
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Frei Betto é autor de ‘Um homem chamado Jesus’ (Rocco)