Por bferreira
Rio - 'Sebastian’, homenagem-súplica de dois ícones da MPB, Milton Nascimento e Gilberto Gil, canta os infortúnios vividos pela São Sebastião do Rio de Janeiro, rogando proteção ao santo padroeiro, e infunde ânimo na busca de melhores dias. Milton e Gil, repetindo o recurso e a devoção dos portugueses do século 16, apelam ao santo: “Sebastian, Sebastião/ diante da tua imagem/ tão castigada e tão bela/ penso na tua cidade/ peço que olhes por ela...”, estabelecendo elos entre o sofrimento do mártir e as cicatrizes na cidade.
Como se sabe, o Rio foi fundado como decorrência do estabelecimento dos franceses da França Antártica na Baía de Guanabara e arredores. Procurando desarticular tal quadro, implorando amparo contra as flechadas desferidas pelos índios que firmaram aliança com os franceses protestantes, a cidade foi gestada em 1º de março de 1565, dedicada a São Sebastião, morto a flechadas.
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Nesse ato conciliatório entre o sagrado e o profano, lembram: “cada parte do teu corpo/ cada flecha envenenada/ flechada por pura inveja/ é um pedaço de bairro/ é uma praça do Rio/ enchendo de horror quem passa.” E, acreditando no recebimento da graça requerida, prosseguem otimistas e enlaçados com a gente do Rio: “...ôô, cidade, ôô, menino/ que me ardem de paixão/ eu prefiro que essas flechas/ saltem pra minha canção/ livrem da dor meus amados.” Milton e Gil ainda se permitem firmar uma analogia entre a cidade curada dos males e, portanto, sadia, festiva e próspera, e a imagem desnuda fruto de castigo/expiação de um soldado sarado, referência a um corpo olimpicamente moldado como exibido pela imagem do militar convertido em São Sebastião: “...que na cidade tranquila/ sarada cada ferida/ tudo se transforme em vida/ canteiro cheio de flores/ pra que só chorem, querido, / tu e a cidade, de amores.”
Assim, a canção de Milton e Gil insere-se no conjunto das medidas de resgate para que o Rio volte a exibir a imagem, a segurança e as bênçãos de um passado atrativo e pródigo em meio à sua eterna beleza conjugada pelas construções humanas, seu povo cordial e sua afortunada e admirável natureza.
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João Baptista F. de Mello é coord. do Rot. Geográficos do Rio da Uerj