Instituições de formação da cidadania querem formar cidadãos. O sistema quer formar consumistas
Por felipe.martins, felipe.martins
Rio - A Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1949, representou um grande avanço, mas, após mais de 60 anos, precisa ser aprimorada. O documento diz, por exemplo, que todos os seres humanos nascem com dignidade. Porém, não exige que se assegurem as condições de viverem com dignidade. E não diz, como a Declaração de Independência dos EUA, que todos têm direito à felicidade. No Butão, pequeno país localizado no sul da Ásia, o rei substituiu o Produto Interno Bruto pela Felicidade Interna Bruta. Agora o critério de aferição das condições do país não é mais o consumismo ocidental, é o da felicidade daquele povo camponês.
A ONG britânica Oxfam denunciou, em Davos, que o patrimônio das 85 pessoas mais ricas do mundo equivale às posses de metade da população mundial. Ou seja, em janeiro de 2014, 3,5 bilhões de pessoas mais pobres, de um lado da balança, e outras 85 mais ricas, do outro lado, com a mesma renda!
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O francês Thomas Piketty, autor de ‘O capital no século 21’, e que não tem nada de esquerdista, afirma: a pirâmide da desigualdade crescerá aceleradamente enquanto o capital predominar sobre os direitos humanos.
O próprio sistema tem este nome: capitalista. Eis o drama das instituições de formação da cidadania, como sindicatos, Igreja, família e escola. Elas querem formar cidadãos. O sistema quer formar consumistas.
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Todo educador vive esse conflito na própria família. É uma luta desigual. Ele tem valores, princípios, ética, mas o filho está exposto a uma multimídia avassaladora, confirmando o princípio do velho Marx: a maneira de pensar de uma sociedade tende a ser a maneira de pensar da classe que a domina. E quem domina tem em mãos os meios de comunicação.
O sistema de rádio e televisão brasileiro (não a imprensa escrita) tem dono: a União. Em outras palavras, todos nós, contribuintes. E o governo, em nosso nome, concede o direito de uso a um determinado grupo empresarial. Pela Constituição, essas concessões deveriam ser avalizadas e refeitas periodicamente, mas isso nunca acontece.
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Em novembro, frente aos atentados em Paris, dizíamos “somos todos franceses”. É justo. Agora, quem, dias antes, diante do avião russo derrubado no Egito, ecoava “somos todos russos”? Que russos morram no Sinai, vítimas de atos terroristas, não tem a menor importância para nós, ocidentais. Tentamos disfarçar a globocolonização sob o manto virtual da globalização.
FREI BETTO é autor do romance ‘Minas do ouro’ (Rocco)