Por felipe.martins, felipe.martins
Rio  - Na semana passada, falei da minha frustração por não ter bebido com Vinicius na sua casa em Itapuã, hoje transformada em restaurante. E que, em 76, fui expulso de lá (com ele e Millôr) pela sua mulher, Gesse. E na viagem de janeiro, nada de uísque porque meu médico e Célia (que também é médica) cortaram o álcool da minha cesta básica. Vinicius virou estátua, como Noel Rosa, e bebe sozinho seu Old Parr de bronze em frente à casa. Pelo menos não depredaram nem lhe arrancaram o braço, como fizeram com o coitado do Noel, em Vila Isabel. Os baianos reverenciam o poeta e fazem fila para tirar fotos sentados ao seu lado.
O poeta desta vez na Bahia foi Lawrence Ferlinghetti, ‘o pai de todos os beats’. Levei um livro dele — ‘Um parque de diversões na cabeça’ — em edição bilíngue da L&PM, em ótima tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes. Seus livros, juntos, venderam quase dois milhões de exemplares. Mas é pouco conhecido no Brasil, o que é surpreendente. Sem ele, o Caetano não teria ficado odara, nem a aldeia hippie de Arembepe existiria.
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Foi visitada por Janis Joplin, Mick Jagger e Polansky. Fui lá nos anos 70 e voltei desiludido: hippies andando pra cá e pra lá, com as cabeleiras cheias de piolhos, apalermados. Vendiam bugigangas para os turistas. Desta vez passei ao largo, ainda devem restar descendentes dos hippies e piolhos zanzando à sombra dos coqueiros. Já Ferlinghetti, que não é besta, ficou na sua livraria, City Lights, que fundou em São Francisco, Califórnia, em 1951.
Depois a livraria se transformou em editora, que ganhou fama mundial com o lançamento de ‘O Uivo’, de Ginsberg, que foi apreendido pela polícia sob acusação de ser uma obra obscena. O livro acabou sendo liberado e vendeu horrores. Mas fama e grana não mudaram seus hábitos. Em 1984, o mochileiro Eduardo Bueno arriscou e se deu bem; foi a São Francisco e rumou direto para a lendária livraria.
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“Num calafrio de audácia”, conta, “solicitei um encontro com o poeta (...). De jeans, camisa de flanela xadrez de lenhador canadense, botas rústicas, ali estava ele, Ferlinghetti — sorridente ao lado de três garotas lindas, olhar safado beatífico.” Bueno disse que se interessava pelo espírito de rebelião que impulsiona, parte da criação artística dos Estados Unidos. “Respondeu, um tanto amargurado: ‘Reagan será eleito presidente. Que rebelião?’” Gostaria de saber o que Ferlinghetti pensaria agora da possibilidade de o Trump ser eleito presidente, além de candidato ao Nobel da Paz.