Por bferreira
Rio - Na música ‘Paratodos’, Chico Buarque receita Dorival Caymmi e Jackson do Pandeiro contra fel, moléstia e crime. E, nesta Segunda de Carnaval, pegando carona no conselho, prescrevo: vá também de Beth Carvalho. Se não houver nenhum show à vista (houve um, ótimo, sábado retrasado no Vivo Rio), procure ouvir o CD que registra sua apresentação no Parque Madureira — não há tristeza, desencanto e depressão capazes de resistir ao desfile de canções que contam tanto de nossa história, de nossas vidas, expectativas e, mesmo, desilusões.
O disco é aberto com um clássico daqueles de lavar, enxaguar, centrifugar e secar a alma do mais renitente ateu, o sambaço ‘O show tem que continuar’ (Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila e Sombrinha). A voz de Beth, talvez afetada por uma internação hospitalar que durou cerca de um ano, já não é a mesma. Ela demonstra alguma dificuldade em alcançar certas notas graves, deficiência que poderia ser compensada por uma presença mais efetiva das cantoras que a acompanham no palco.
Publicidade
Mas, fiel seguidora de duas das maiores, gloriosas e belas instituições criadas pela humanidade — o Botafogo e a Mangueira —, ela não perde o rebolado, acha o tom, o acorde e o som. Apesar dos problemas na coluna que a obrigam a cantar sentada a maior parte do tempo, Beth, no show, se levanta para ressaltar as belezas criadas por tantos e tantos compositores, pessoas que, mesmo diante do sufoco, renovam nosso amor pelo que temos de melhor — nossa gente, lembrada na prece de ‘Senhora rezadeira’ (Dedé da Portela e Dida): “Reze pra que o nosso povo/ Viva sempre a liberdade/ E construa um mundo novo/ Cheio de felicidade.”
Por falar em oração, o público deveria ficar de joelhos ao ouvir ‘Tendência’, de Dona Ivone Lara e Jorge Aragão (“Não é surpresa pra mim/ Você começou pelo fim/ Não me comove o pranto de quem é ruim”), samba que deve ter sido assobiado pelo Criador num passeio pelos jardins do Éden.
Publicidade
Aceite a dica. Não dá pra esquecer toda a dor da vida, a bandalheira, o descaso, a incompetência, a doença, o chute no traseiro, os tantos gols tomados aos 46 do segundo tempo. Mas é possível respirar fundo, caciquear, buscar forças para a sempre necessária volta por cima. Acompanhada por Zeca Pagodinho, Beth nos lembra que ainda é tempo para que sejamos felizes, nem que seja durante a audição de um CD.
(E é hoje, chegou a hora, não dá mais pra segurar. Viva a Mangueira e viva Maria Bethânia, a Menina de Oyá.)
Publicidade
E-mail: fernando.molica@odia.com.br