Rio - Ao longo da semana, dois assuntos da área jurídica repercutiram na mídia, representando perigoso retrocesso dos direitos dos cidadãos. Um foi a decisão do STF que tornou possível o cumprimento de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de jurisdição, antes do trânsito em julgado, e a outra a polêmica em razão da liberdade concedida a um dos acusados de esfaquear e matar a turista argentina na Praia de Copacabana.
No julgamento de um habeas corpus o STF mudou seu entendimento e decidiu que mesmo diante do texto da Constituição que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” é possível a prisão antecipada. O STF rasgou a Constituição mais uma vez.
Uma pessoa pode ser presa cautelarmente, sem flagrante, por ordem judicial, para evitar que fuja ou que ameace testemunha. Nunca como antecipação da pena. A prisão antecipada pode acarretar o cumprimento de pena indevidamente, se ao fim for absolvida. No caso da prisão cautelar não se está diante da antecipação da pena, mas de garantia para o processo. A decisão do STF relembra a história da Rainha
Louca de Alice no País das Maravilhas. Um dos auxiliares propôs que fossem os acusados julgados, no que ela concordou. Mas disse: “Corte a cabeça. Primeiro a sentença. Depois o julgamento”. Mas houve quem incensou a derrocada do princípio da inocência, tal como a turba assanhada que estimulava Pilatos a condenar um inocente na Judeia há mais de 2.000 anos.
No caso do assassinato da turista argentina a mídia acusou a juiza Daniella Alvarez Prado de haver soltado um dos acusados quando em janeiro lhe fora apresentado em audiência de custódia num caso de furto simples de celular. Disseram que se ela o tivesse prendido por aquele fato não teria cometido o crime de maior gravidade. Em janeiro, quando foi apresentado à juíza, o acusado era réu primário, aos 33 anos. Não tinha condenação anterior e ninguém poderia imaginar que viria a cometer um crime tão bárbaro quanto o latrocínio contra a turista argentina.
A prevalecer o raciocínio de alguns jornalistas, qualquer um poderá ser preso antecipadamente, a fim de que não venha a cometer crime no futuro. Todos estaremos sujeitos a pagar por mal que talvez jamais venhamos a praticar.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito