Rio - Quando tinha 16 anos, o jovem L. tomou a decisão mais desastrosa de sua vida: entrou para o tráfico da Vila dos Pinheiros, favela do Complexo da Maré, onde nasceu e foi criado. Na cabeça dele, era a única alternativa para escapar das dificuldades de uma vida com pouco estudo, sem dinheiro nem perspectivas. Hoje, depois de duas passagens na polícia por posse de drogas, o rapaz se arrepende do caminho que sua vida tomou. “Tenho vontade de sair, medo de morrer. Queria estudar, ser médico, mas é muito caro e difícil. Cada um tem a vida que Deus dá”, conforma-se.
A realidade trágica do adolescente é igual à de milhares que, como ele, vêm engrossando a cada ano as estatísticas de jovens que se envolvem com a criminalidade. Nos primeiros cinco meses de 2013, o estado registrou índice três vezes maior de menores apreendidos no mesmo período dos últimos cinco anos: 2.871, contra 848 no período em 2009, por exemplo, segundo o Instituto de Segurança Pública. Março deste ano teve ápice de apreensões: 711 adolescentes em todo o estado, média de 23 casos por dia.
O agravante mais comum entre eles é a falta de amparo familiar e social. Segundo a polícia, a maioria acredita que o tráfico oferece a oportunidade de conquistar o que a vida não proporcionou.
“Faltam recursos financeiros, escola, eles vivem em moradias precárias e, muitas vezes, a família não cuida. O tráfico não sai recrutando, mas eles conhecem de convivência. Acabam se iludindo, achando que é o caminho mais fácil para ascender”, explica a delegada Bárbara Lomba, ressaltando que no últimos dois anos, 50% das apreensões foram por tráfico. No ranking dos atos infracionais mais frequentes, também estão furto e roubo.
‘PROTEÇÃO’
Segundo investigações, os traficantes estão mais propensos a ‘empregar’ menores porque não querem se expor. Normalmente, os adolescentes não têm passagem na polícia e tendem a voltar para as ruas logo. “Por isso são mais usados, principalmente em comunidades pacificadas, onde ainda há venda de drogas, mas os traficantes não aparecem”, analisou a delegada.
A teoria se comprova em números. No primeiro semestre, 301 jovens das 33 UPPs do estado foram parar nas delegacias. Em algumas favelas, como o recém-ocupado Jacarezinho, os registros de menores apreendidos supera o de adultos presos por diversos crimes. De 16 janeiro a 30 de junho, 107 adolescentes foram apreendidos, contra 106 prisões neste mesmo período. “Os menores são ‘mão-de-obra’ barata”, disse o comandante da UPP Jacarezinho, major Marcelo Pinto.
Dívidas com tráfico fazem com que jovens fiquem ‘presos’ ao crime
Tarde de segunda-feira, policiais da UPP do Jacarezinho recebem denúncia sobre a chegada de uma carga de drogas na localidade Vasco Talibã. A quantidade era grande: 655 papelotes de cocaína, 500 trouxinhas de maconha e 70 trouxinhas de haxixe foram achadas perto de um adolescente de 17 anos. X. confirmou aos PMs que usava drogas, mas na delegacia, foi liberado por falta de provas de que estaria traficando.
“Geralmente, a droga está com eles, mas é difícil vincular”, afirma o comandante da unidade major Marcelo Pinto, ressaltando que 95% dos jovens que entram para o tráfico também consomem drogas. E acabam sendo protagonistas de um novo tipo de definição social. “Eles são o grupo do ‘Nem Nem’, ou seja, nem estudam nem fazem nada. Por isso, a facilidade que o tráfico tem de cooptar”, explica o major.
Na Cidade de Deus, o envolvimento dos jovens no crime também é grande. No primeiro semestre, 45 adolescentes, com idade entre 14 e 17 anos, foram apreendidos no tráfico. Os agentes já observaram que, depois da apreensão, muitos retornam para as quadrilhas porque ficam presos a uma dívida. “Se eles são pegos com uma carga, têm que continuar no tráfico até saldar a dívida do material perdido. O ciclo não tem fim e esse jovem acaba perdendo a chance de ter vida digna”, analisa o comandante, major Bruno Xavier.
Promotor aposta em educação
Adolescentes e seus responsáveis lotavam o corredor da Vara da Infância e da Juventude da Capital na tarde desta quinta-feira. No verão, quando há maior tendência para a prática das infrações, segundo promotores, são quase 20 atendimentos por dia na sala do Ministério Público. Pacientemente, o promotor Renato Lisboa conversa com cada um, analisando os casos e, principalmente, o perfil dos adolescentes.
“É muito fácil para um jovem se desencaminhar. Falta estrutura de vida à maioria, são ociosos, filhos de pais que não têm tempo de cuidar deles, de orientar”, afirma Lisboa, ressaltando que, apesar da reincidência de jovens no crime ser alta, punições mais severas não mudariam o quadro: “Insistimos nas medidas sócio-educativas necessárias, para que o jovem aprenda e se sinta valorizado, e não para sair mais revoltado. Mas quando esse jovem sai, precisa do apoio da família e do estado, de oportunidades. Sem isso, fica difícil”.
O promotor acredita que, com a presença permanente da polícia nas comunidades, os casos estão sendo mais vistos. “Antes, a polícia entrava e saía, apreendia dois ou cinco. Agora, que fica lá diariamente, toma conhecimento de mais casos. Mas isso não basta. Tem que ter estrutura, condições e serviços”, defende Lisboa.
Segundo as investigações da DPCA, a maior parte dos atos infracionais cometidos por menores, como furtos de cordões e celulares, acontecem no Centro e na Zona Sul. A maioria deles têm referência familiar e reside em comunidades como a Parque União e Nova Holanda, na Maré.
Redução da maioridade ainda é tema controverso
A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, para que o menor de idade responda criminalmente como os adultos, é aprovada por 92,7% da população brasileira, segundo pesquisa da CNT (Confederação Nacional do Transporte), divulgada em junho deste ano.
Hoje, três propostas sobre maioridade penal aguardam por votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Duas delas propõem que a maioridade seja flexibilizada de acordo com a gravidade do delito, e, segundo a terceira, até 16 anos o menor não pode ser considerado responsável pelos próprios atos.
O tema ainda é controverso entre juristas. A proposta já foi criticada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Além de considerar a medida inconstitucional, Cardozo acredita que a mudança agravará a situação do sistema carcerário brasileiro, que está 50% além de sua capacidade. “Reduzir a maioridade penal significa negar a possibilidade de dar um tratamento melhor para um adolescente”, disse Cardozo.