Rio - Na cidade do Rio, onde mais da metade das travestis e transexuais se prostituem, uma luz no fim do túnel se acendeu. Com a oportunidade de conquistar um espaço no mercado de trabalho, 20 delas decidiram encarar a sala de aula para largar de vez a informalidade nas ruas. Inseridas no projeto Damas — criado pela Coordenadoria de Diversidade Sexual da Prefeitura — elas recebem qualificações que vão desde aulas de informática e inglês até noções de etiqueta e cidadania.
Na última quinta-feira, a quarta turma do programa se reuniu em um edifício no Centro para aula de língua portuguesa. Enquanto a professora Eliane Tavares do Brasil, de 65 anos, explicava a diferença entre sujeito e predicado, uma das alunas focava em ajudar a colega, que mal sabia ler e escrever. “Aqui no Damas é sempre assim. Quem sabe mais ensina para a que sabe menos”, elogia a professora.
A ajudante da vez era a ex-universitária Bruna Rodrigues, 29, assumida como mulher aos 14 anos. Quando completou a maioridade, Bruna passou no Vestibular de primeira e ingressou na Universidade Federal Rural do Rio para cursar Educação Física. Prestes a concluir o quinto período, a jovem foi surpreendida com um comunicado da direção pedindo a sua saída.
“Sofria muitas ameaças por ser travesti. Queriam que eu fizesse natação com uniforme masculino. A reitoria não fez nada para que eu ficasse e tive que trancar a matrícula às pressas para não ser mais humilhada”, desabafa Bruna, que já se prostituiu para conseguir manter sua casa em Campo Grande.
60 já formados
Desde 2011, o Damas já formou 60 travestis e transexuais. Na última turma, 12 foram aproveitadas para trabalhar na Prefeitura. “Depois das aulas, elas têm um mês de estágio em alguma secretaria municipal. Quem se sobressai, consegue ser contratada”, explica o coordenador do programa Carlos Alexandre Neves Lima.
Histórias de superação reunidas
A sala de aula também é um cenário de superação. As histórias que cada uma das 20 alunas leva da vida daria um bom enredo de filme. A começar pela trajetória da mais velha, a Marcela Monteiro, de 38 anos. Quando se assumiu como mulher, viajou para Europa na tentativa de conseguir trabalho. Lá, foi presa mais de 10 vezes e acabou deportada em pelo menos duas ocasiões por conta da prostituição.
“Caí nas mãos de cafetinas que me exploravam muito. Só tinha o dinheiro da comida e do táxi para poder arrumar clientes”, declara Marcela, que não tem vergonha de assumir ser soro positivo. Hoje, ela mora em Botafogo e está desempregada. “Não quero voltar para a prostituição. Quero ser alguém”, desabafa. A mais nova da classe, Fernanda Santos, de 18 anos, diz ainda estar descobrindo a vida. A única certeza é sua opção de ser mulher. “Tenho meu namorado e acho super normal”, conta a jovem, que desistiu dos estudos na sétima série por conta do preconceito.
Pré-inscrição para a turma de janeiro está aberta
Se não pintar uma contratação imediata, o currículo da candidata é inserido automaticamente no balcão de empregos da Secretaria de Trabalho. Para ingressar no curso, as interessadas são submetidas a uma entrevista, com um questionário que vai desde informações sobre a escolaridade até o convívio com a família. A seleção não tem critério específico. Entra quem apresentar a maior necessidade.
As turmas são fechadas em 20 alunas a cada seis meses. Além das aulas, que acontecem duas vezes na semana, elas recebem lanche e auxílio de R$ 300. A pré-inscrição já está aberta e a próxima turma é para janeiro. Informações no telefone 2535-3564.
Na turma do novo curso, Bruna é a única que chegou mais longe nos estudos. A média de escolaridade delas não chega ao ensino fundamental completo, como é o caso da Andreia Gomes, 33, que só foi até a segunda série. “É muito triste não conseguir ler direito”, lamenta Andreia, que ainda ganha a vida fazendo programa nas ruas.